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Jardim Montanhês

Você já ouviu falar do Bar do Sapo? Ficava ali na Av. Pedro II, em frente à Rua Estevão de Oliveira. Na época, em plena conquista do bicampeonato mundial de futebol no Chile, em 1962, não existia nem avenida e nem rua, e, de fato, o Bar do Sapo ficava na beira do córrego do pastinho, à frente da casa da Dona Nélia, e já funcionava há uns três anos. O dono era o Djalma, um sujeito brancão, pacato, vindo do interior de Minas, se não me engano, das bandas de Divinópolis. Naquele tempo, aos sábados, este que escreve era engraxate, justo na porta do Bar do Sapo, onde, mais tarde, tornou-se empregado. Naquele antro saudável de bebuns de final de semana, quase todos eram trabalhadores que, depois do meio-dia do sábado, transformavam-se em heróis da bola e do gole e da mentira e da contação de causos e das brigas e dos amores traídos.

 

Jogavam truco, vinte e um, sete e meio, tomavam pinga pura de litro, pinga com Coca-Cola, pinga com fernete e o famoso putaquelpariu, uma mistureba turbinada e venenosa de todas as bebidas de algum teor alcóolico. A cerveja custava caro e, por isso, era ou havia quase sempre pouca; se não me engano, a mais famosa era a "Faixa Azul" casco escuro. A meninada, sempre por perto, vez por outra, encarava uma Pepsi-Cola com tampinha furada por prego para tomar espirrando no fundo da garganta até dar água nos olhos. Mulheres não tinham o hábito de freqüentar bares, e, o do Sapo, nem pensar. Quando entrava uma, o silêncio se fazia. Ou vinha pegar alguma coisa para casa, como uma lata de salsicha, sardinha, uma garrafa de refrigerante cheia de pinga para o marido, ou vinha buscar o próprio marido que estava escornado, derrotado pela cana bebida. Duas ou três mulheres (mesmo hoje, não me atrevo a dizer o nome) iam mesmo buscar a sua própria cachaça.

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                                                   Vista do Jardim Montanhês, ao fundo o Bar do Sapo

 

Era no Bar do Sapo que o Clube Atlético Progresso, depois de deixar o Bar do Nem, na Vila Celeste Império, passou a se reunir. Um time esquisito e grosso. Tinha apenas o primeiro e segundo quadros. No segundo, jogavam os mais velhos e os ruins de bola, com passe vencido e sem a tentação de se tornar craque. Lembro-me de alguns que faziam parte desse "segundão", como se falava na época. O Dico Bombeiro jogava no segundão, além de ser o técnico do primeiro quadro. Com ele, fazendo zaga, vinha o Ducão, com seu pé 52 e sua ruindade, capaz de chutar a própria mãe se o Dico mandasse. No meio, Célio e Prego; Totonho e Landin nas laterais. Não me lembro do goleiro. Sei que o Afonso Sufru jogava na frente. O danado jogava sempre mamado e, talvez por isso, nunca fez um gol. No primeiro quadro, tinha, realmente, alguns craques, entre eles o Sarampo, que já havia jogado no Imperial e batia uma bola fenomenal. Jogavam também os irmãos Zé Baiano e Raimundo, vindos do Olaria. Zé Baiano, um centerfour fuçador de drible miúdo e chute forte, enquanto o Raimundo, um goleiro fazedor de pontes como poucos que vi jogar em toda a minha vida de apaixonado por futebol. De quebra, o Olavo, irmão do Dico, o único da família Carneiro a tratar a bola com carinho e respeito.

 

Dos bebuns famosos, tinha o Miguel Doido, o Cabana e seus pés inchados e o Jia. Este era um caso à parte, e falaremos dele em especial. Do pessoal mais novo, meia idade na verdade, tinha os frequentadores pontuais, como Paulo, Bolão, Elmo, Tim, Orlando, Zé Pedro e uma moçada que, às vezes, tomava uma cerveja ali na porta do Bar do Sapo, contando casos e olhando as meninas que passavam. Acreditem, naquele brejo, passavam umas meninas e, pasmem, bonitinhas.

 

Com o tempo, o Bar do Sapo, como tudo, foi deteriorando. Já não tinha mais o charme de antes. O seu dono foi perdendo o humor e a paciência com os fregueses, chegando até a colocar um revolver 38 debaixo do balcão. Aos sábados, o prato da turma do Bar do Sapo era gato caçado nas redondezas na sexta-feira à noite e, quando o dia amanhecia, já comemoravam o bichano dentro de um saco de aniagem. Era uma covardia: a garrucha calibre 22, enferrujada, encostada na cabeça do gato, selando o destino do felino. Em seguida, tiravam o coro, salgavam e espichavam, pregando-o na parede externa do bar para curtir e, quem sabe, virar um tamborim. A carne, feita pelo Djalma, era consumida com a cachaça de litro. Aquilo ia indo sábado afora até que todo o mundo ficasse bêbado. Eu achava tudo muito engraçado, até que, num sábado, percebi que a pele exposta na porta do bar era do meu gato branco, um gato selvagem que morava na minha casa e que eu havia pegado, ainda "filhotim", perto do Bar Império.

 

Osias Ribeiro Neves

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