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Jardim Montanhês

Foi, sem dúvida, nesse retângulo que transcorreu grande parte da infância da maioria dos moradores do nosso Jardim Montanhês. A princípio, como atalho para as compras no armazém do Said, na Rua Pará de Minas, entre as ruas Curupaiti e Itamarati, ou para a ida e a volta da escola (Grupo Escolar Professor Morais). Foi ali também o nosso paraíso para a prática do futebol, para soltar papagaios, atazanar a vida nas ‘barrocas’ (erosões bastante acentuadas entre a pista de pouso e onde é o anel rodoviário) e até como ponto de observação do procedimento detalhado do pouso e decolagem das pequenas aeronaves que nos extasiava.
Havia uma outra grande erosão (barroca) que ameaçava interromper o trânsito na confluência das ruas Alvorada de Minas e Lorena, que ficou secionada por uma ponta do campo de aviação. E, por ali descia a maior parte das águas durante os temporais, formando um pequeno rio temporário que chegava a interromper a passagem de pedestres pela Rua Moema (junto ao então campo do Olaria Futebol Clube). Exatamente o único acesso à vila para os carros raros e antigos, que eram identificados pelos ruídos dos motores, antes mesmo de os avistarem.
Os ilustres vizinhos, colados ao campo de aviação, ainda estão lá: o Hospital Alberto Cavalcanti e a capela Cristo Rei. A respeito da Capela, onde assisti muita missa ao lado de minha avó, cabem algumas curiosidades:
1) a entrada principal da capela é pela Rua Camilo de Brito (que também foi interrompida por uma ponta do campo).
2) podia-se chegar a ela pelo atalho, por cima do campo e entre os hangares.
3) bem ao lado da capela, havia um barracão com pequena área cercada de arame e varas trancadas. Ali morava uma velha que não regulava muito. Para a molecada do ‘Professor Morais’ que, vez por outra, utilizava desse atalho, com a infeliz ideia de gritar próximo a esse barracão o apelido da velha – ‘mandioquinha’ – o que fazia a pobre coitada sair de casa com uma vassoura na mão, esbravejando tudo quanto era palavrão. Nós, os capetinhas, nos divertíamos muito com essa maldade.
Até 1958, eram raras as restrições de trânsito e frequência no local; de fato, as áreas de segurança resguardavam a pista e os hangares (abrigo e oficina de manutenção dos aviões) e um depósito de combustível para os mesmos.
Quando das comemorações da Semana da Asa, acontecia o espetáculo maior neste local: a Esquadrilha da Fumaça, sempre em performance inconteste, executava manobras incríveis, com formações próximas do impossível, entre muitas o ‘stol’, o ‘parafuso’ e os voos rasantes de arrepiar. O paraquedismo também estava presente, e enchia o céu de cores com seus arcaicos aparelhos redondos de pouquíssima manobrabilidade, o que, numa mudança brusca da direção e força dos ventos, os levavam a pousos bem arriscados fora da área do campo.
Naquela época, entre 1948 e 1954, quase não havia estradas e, graças aos pequenos aviões (entre eles os famosos teco-teco), meu pai conseguia viajar até algumas fazendas, quando era solicitado para manutenção em geradores e motores estacionários, muito utilizado nessas regiões.
Por algum tempo, não sei exatamente de quando a quando, no auge da sua operação, funcionou aqui a ‘Aerosita táxi aéreo’, e a oficina do ‘Chamone’, que davam manutenção em quase todos os aviões de pequeno e médio porte existentes no estado de Minas Gerais.
Hoje, restou o Aeroclube de Minas Gerais, a escola de pilotos de aeronaves e outra de helicópteros, e a oficina de manutenção dos helicópteros, totalmente fechados ao público. Uma parte dessa área foi arrancada e separada para o lazer (ao meu ver um estúpido engano, que conduz nada a lugar algum). Esse foi o princípio do fim do palco da nossa infância, em mais um absurdo político em prol da especulação imobiliária.
O tempo voa, mas jamais apagará da nossa memória e das nossas fotografias a imensa saudade de um lugar incrível, onde foi, um dia, possível viver entre a natureza e a tecnologia. Com espaço, liberdade e euforia invejáveis, coisas que nossos filhos e netos só verão em livros e filmes. É triste, mas verdadeiro.

Francisco Lutkenhaus, 21 de dezembro de 2004 
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