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Jardim Montanhês

geraldo_magnataDa charanga do futebol ao grupo ‘Magnatas do Samba’, Geraldo José Monteiro Sobrinho revela sua trajetória no Jardim Montanhês  Geraldo José Monteiro Sobrinho é o quarto dos 15 filhos de José Vicente Monteiro e Custódia Ferreira Monteiro. Chegou ao bairro Jardim Montanhês ainda pequeno, com três meses de idade. Mais tarde, receberia, ali, o apelido de ‘Geraldo Magnata’, por ter sido um dos fundadores do grupo ‘Magnatas do Samba’.
Seu pai era natural de Piracema (MG). Trabalhava na roça e, posteriormente, aprendeu o ofício de pedreiro, chegando a ser mestre de obra. Quando chegou ao Jardim Montanhês com os filhos pequenos, passou por dificuldades. Não havia água encanada. Para ter água em casa, era preciso construir cisternas. O banho era tomado em bacia. Para ir ao centro da cidade, era preciso tomar um bonde que tinha ponto no Bar Império, na Rua Padre Eustáquio, no bairro de mesmo nome. Os moradores iam a pé até lá. As ruas eram tomadas por mato. Quando um ônibus começou a passar dentro do bairro, ele não subia sua rua, porque, quando chovia, ela se enlameava. O leite era comprado na horta do Sr. Bino, uma espécie de fazenda que se localizava no bairro. Os meninos levavam suas vasilhas até lá, e, chegando em casa, o leite tinha que ser fervido, para que não azedasse rapidamente.
No período em que Geraldo era criança, não havia televisão no bairro. Era preciso andar um quilômetro para assistir à televisão de um amigo, em outro bairro. No entanto, as crianças se divertiam nas ruas, brincando de bente altas, pique-salvo, nego fugido e pique-pega.
Os pais eram festivos e sempre se envolviam com as atividades do bairro. A interação com a vizinhança era muito grande. A cada fim de semana, os vizinhos se reuniam para fazer um baile. O pai de Geraldo tinha uma vitrola de alta fidelidade e, quando o baile acontecia em sua casa, abria os portões para quem quisesse entrar. Eles faziam ki-suco e fritavam pasteizinhos no fogão a lenha onde a mãe de Geraldo cozinhava. Era uma verdadeira farra. Dessas noitadas, saíram vários casamentos.
A família de Geraldo também organizava, nos meses de junho, as Quadrilhas. Juntavam os vizinhos para ensaiar e, então, se apresentar nas festas. Era uma interação gostosa entre vizinhos que, atualmente, Geraldo não vê mais.

Futebol
Uma das atividades de lazer do Montanhês era o futebol. Havia vários campos, como o Campos Altos, o Palmeiras, o Olaria e o Grêmio Mariano Esportivo, entre outros, onde disputavam campeonatos os vários times do bairro, entre eles Vasco, Juventus, Tremendal, Palmeiras, Canto de Minas e 15 de novembro. "Havia as associações de cada time, e era uma rivalidade sadia. Essa nossa região, hoje, praticamente não tem campo de futebol. Nós temos um único campo que é o Mineirinho", comenta Geraldo.
O pai de Geraldo jogou futebol amador no time do Vasco. Foi um dos fundadores do time Palmeiras, em 1959, tendo sido Diretor e Presidente desse time, bem como fundador da torcida feminina. Geraldo conta que esse envolvimento do pai era fonte de lazer para os filhos. "Nós tínhamos uma torcida uniformizada que papai criou. Uniformizava todos os filhos, do mais novo a mais velha. Todo o mundo torcia com o 'P' no peito. Eu cheguei a jogar no Palmeiras. Para jogar futebol, a gente tinha que ir à missa. Quem não fosse não estava apto a jogar. Depois, o time mudou o nome para 'Prudentina', porque descobrimos que tinha outro Palmeiras mais antigo, quando fizemos o registro na Federação. Para aproveitar o 'P' das camisas, o time recebeu o nome de 'Prudentina'. Nessa época, eu jogava também."
O aniversário do time era comemorado com um festival de jogos. A família de Geraldo preparava o campo no dia anterior. Enfeitavam-no com bandeirolas e bambus. Colocavam as bandeiras do Brasil e de Minas Gerais no ponto mais alto e, abaixo, as de cada um dos times que participariam da competição. As atividades começavam às cinco horas da manhã do domingo, com fogos e tiros que acordavam o bairro inteiro. Após o hasteamento das bandeiras, começavam as competições. As disputas envolviam os times mirins, petits, infantojuvenis e titulares. Ali, famílias passavam o dia inteiro assistindo aos jogos.
Era nesse dia que a família de Geraldo mais faturava. Os meninos costumavam vender quitutes no campo e, com isso, conseguiam aumentar um pouco mais a renda da família. Geraldo nunca se esqueceu de que a grande virtude para seu pai era que os filhos fossem pessoas dignas, que deveriam estudar e nunca ficar ociosos. Para ajudar a família, ele e seus irmãos costumavam vender mexericas, bolinhos e sonhos que sua mãe fazia, nos campos e na rua. "Tudo o que a gente podia fazer para conseguir algum dinheiro, a gente fazia. No meio da semana, a gente comprava doces e ia vender na Avenida Pedro II, na hora do almoço. Quando voltava, levava um dinheirinho para a mamãe comprar o pão. Por mais que papai trabalhasse, eram muitos filhos, então era difícil. Mas era uma época gostosa."

Samba
Sempre que tinha futebol, Geraldo reunia alguns amigos para fazer uma charanga, isto é, tocar acompanhando o futebol e, depois, tocar na comemoração que se seguia ao jogo, muitas vezes no boteco do João Preto. Foi desse entusiasmo que surgiu, em meados de 1968, o grupo "Magnatas do Samba". No princípio, ele não tinha o propósito de se profissionalizar. Era apenas uma distração e, por isso, não recebeu nome algum. "A gente tocava tamborim, surdo, agogô, maraca, afoxé: instrumentos de percussão. Não tínhamos pessoas que tocassem instrumentos harmônicos, como cavaquinho, violão ou bandolim.
 Mesmo assim, ficou notório que cada acontecimento do time de futebol tinha que culminar com uma roda de samba. A gente foi se aprimorando, descobrindo os valores de cada um. Se precisávamos de um cavaquinista, a gente arrumava. Aí, apareceu o cavaquinista, apareceu o violeiro, e a coisa foi ganhando proporção."
Daí, a fama do grupo se espalhou e, onde quer que houvesse uma festa, eles eram convidados a tocar. Dos oito membros do grupo, entre eles Renque, Luiz, Júlio, Walter e Renato, três eram irmãos de Geraldo. Assim, foram se apresentando informalmente, até o dia em que foram convidados a tocar em frente à Imprensa Oficial, na Avenida Augusto de Lima, em 1971. Os contratantes pediram que eles lhes apresentasse suas carteira de músicos, mas eles não tinham. Foi a primeira vez que tocaram profissionalmente.
Depois dessa apresentação, muitos convites surgiram, mas demandavam recursos que o grupo não tinha, como aparelhagem de som. Foi então que souberam que o grupo ‘Magnatas do Samba’, que tocava no bairro Horto, havia se desfeito. Como o dono da batucada já conhecia o pessoal que fazia o ‘sambão’ no bairro Montanhês, ele propôs juntar os dois grupos e resolver os problemas de ambos: o da falta de equipamentos de um e a falta de cantores do outro. Assim, ressurgiu o grupo ‘Magnatas do Samba’, tendo, à frente, Geraldo.

Carnaval
Quando tinha 16 anos, Geraldo compôs seu primeiro samba enredo, a convite da escola de samba ‘Monte Castelo’, que ensaiava nas dependências do Grupo Escolar Eliseu Laborne Vale, no bairro Jardim Montanhês.
Posteriormente, ele foi convidado a participar da escola de samba ‘Canto da Alvorada’, em 1984. Em 1985, o samba-enredo da escola, composto por Geraldo, seu irmão Mestre Pedro e Tino do Cavaco, ganhou o primeiro lugar no carnaval. Nessa época, ele já era conhecido como ‘Geraldo Magnata’. Com isso, o nome do grupo saiu do Jardim Montanhês e teve alcance nacional. Chegaram a tocar com grandes nomes do samba, como Beth Carvalho, Alcione, Martinho da Vila, Neguinho da Beija-Flor, Mestre Massau, João Nogueira e Leci Brandão. O grande sucesso do grupo levou seus membros a fundarem o ‘Magnatas Bar’, que passou por três bairros de Belo Horizonte.

Saída do grupo
No início da década de 90, Geraldo deixou o ‘Magnatas do Samba’. Queria oferecer suas músicas a cantores famosos, mas não obteve êxito. Sua pretensão era deslanchar como compositor, mas, diante de muitas promessas e nenhuma proposta, decidiu não mais investir mais nisso. Já era pai e não conseguiria viver apenas de música, sem ter uma fonte de renda mais concreta. Continuou trabalhando em uma empresa de saneamento e como radialista, fazendo programas de samba, o que continua fazendo até hoje.
O grupo continuou as atividades, sob a batuta de três irmãos de Geraldo. No entanto, posteriormente, o grupo foi, aos poucos, adotando uma postura comercial. Os fundadores do grupo, que já não estavam mais tocando, decidiram, então, criar a ‘Velha Guarda dos Magnatas do Samba’, formada exclusivamente pelos membros antigos. A proposta é tocar samba antológico e de raiz, enquanto o ‘Magnatas do Samba’, formado por pessoas mais novas da família, enveredou pelos caminhos do pagode.

O samba na roda
"O samba, infelizmente, sofre o preconceito de ser coisa de preto, de arruaceiro. O samba foi sempre marginalizado. Chegou uma época em que veio uma nova roupagem, o pagode. O que é o pagode? É a mesma linguagem da dança de salão, a gafieira. A gafieira não é aceita na sociedade como gafieira. É aceita como dança de salão. A mesma coisa acontece com o samba e o pagode. O pagode não é um gênero musical. O samba é um gênero; tem suas vertentes do samba-canção, do samba-partido alto, do samba-exaltação, samba-enredo, samba-breque, samba-batucada. Já o pagode é um rótulo que criaram para alcançar o vínculo comercial. Infelizmente, a boa música, a cultura, não vende. O samba antológico é aquele que não tem valor comercial. Tem, sim, valor literário, valor cultural. Hoje, a 'Velha Guarda do Magnatas do Samba' faz um resgate de Cartola, Noca da Portela, Velha Guarda da Portela, Martinho, Zeca Pagodinho, Noel Rosa, Pixinguinha, Adoniran. O nosso compromisso maior é esse.
Nós, da 'Velha Guarda', continuamos a fazer shows. Hoje, a coisa está crescendo; está acontecendo uma volta do samba. Mas percebi que as melhores músicas ultrapassaram gerações. Quando a gente canta: 'Viver e não ter a vergonha de ser feliz...', qualquer geração conhece. A música transcende, vai além do tempo. Assim também é quando cantamos 'Um poeta de Miraí', de Ataulfo Lopes, 'Negue' e 'Marina', que são carros-chefes da nossa música. Música como 'Cálix Bento', do Milton Nascimento, em qualquer lugar que se cante, as pessoas conhecem. Tem coisas que não vão morrer nunca. E isso está no repertório da 'Velha Guarda', mesclado com um pouquinho de Zeca Pagodinho e Fundo de Quintal, que inovaram o samba, introduzindo o banjo, o tantan, a timba e o repique de mão e deixando em desuso o tamborim e o ganzá. O samba é marcado pela riqueza da letra e da história. A melodia tem princípio, meio e fim. A questão harmônica e rítmica se preserva. Isso é samba antológico, é samba que conta uma história, mas não tem valor comercial."
 
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