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Depoimentos

Enviado por marina em 20/08/2012 11:00:00 ( 1868 leituras )

Meu nome é Ângela Benvinda Carvalho da Silva, nasci no dia 4 de junho de 1949, na rua Alípio de Melo. Meu pai é José Moreira de Carvalho e minha mãe Olinda de Freitas. Nasci aqui embaixo na rua onde é a Editora Lê, depois mamãe construiu lá em cima e mudamos para lá quando eu tinha três anos. Fiquei nessa casa até me casar.
Aqui no Jardim Montanhês tinha muito mato e poucas casas. Não existia muro nas casa e um vizinho gritava o outro e de longe dava para escutar. Lá de casa eu escutava o trem passando onde é a Via Expressa hoje. Aqui tinha o Campo do Palmeiras, que possuía muitos festivais, então a diversão de domingo era ir para lá. O bairro não tinha barulho, não tinha poluição, era muito tranquilo e tinha uma topografia bonita. Era muito verde. Onde era a vila São José era um vale maravilhoso, ainda não existia a vila. A imagem que a gente tem do bairro antigo é muito bonita. A gente podia brincar na rua tranquilo, a gente brincava sempre com parentes, porque meus familiares todos moravam por aqui. Eu fui criada junto com meus primos, a gente brincava de roda, pegador, escondia no meio do mato e era muito tranquilo. Não tinha ladrão nem nada.
Depois teve a fundação da escola Eliseu Laborne, aí a gente foi trabalhar lá. Quando eu fui trabalhar lá eu devia ter um treze anos. Eu fui para ensinar os meninos a ler. Aos quinze anos eu já participava do quadro do Eliseu. Na época professor era bem escasso e eu comecei a dar aula aos quinze anos No início eu trabalhava dois, três horários na escola. Quando faltava professora eu cobria. Então assim eu fui me encaixando na escola. Eu gostava muito de trabalhar. Até hoje encontro ex-alunos meus. Eu trabalhei muitos anos na escola e todo mundo me conhecia e conhecia a minha mãe. A gente é moradora antiga do bairro, uma das primeiras. Quando foi feita a nossa casa só tinha umas duas ou três casas naquela região. Mamãe foi praticamente a pioneira do bairro.  Ela era muito conhecida, era muito dinâmica, ativa e conhecia todo mundo. O relacionamento com os vizinhos era diferente de hoje, vizinho era parente, participava de todos os problemas.
Depois fui trabalhar na Escola Ursulina, à noite, eu dava aula de sete às dez. Acabava a aula as dez e eu vinha embora a pé sozinha para casa. Não existia ônibus e vinha no escuro, pois não tinha luz nas ruas, mas não tinha perigo. Depois eu fiz o curso normal, que hoje é magistério, formei em sessenta e nove. Dei aula até me casar em setenta e cinco, aí parei. Nos primeiros anos de casada eu senti muita falta de dar aula. Eu comecei a trabalhar muito nova e sustentava a casa, então eu senti muito.


Casamento
Depois que eu me casei veio as viagens, meu marido trabalhava com telefonia na Ericsson e viajava muito. Ele entrou na Ericsson com dezessete anos, saiu e foi para a Embratel.  Depois de casada fui morar em Brasília, aí depois vieram os filhos. O meu marido, o Marcinho, nunca parava em um lugar fixo, então depois de um tempo fui embora de Brasília, fui para Patos, de Patos para Varginha, de Varginha para Valadares e de Valadares eu voltei para cá. Ai fui para Florianópolis, depois Blumenau, depois Penápoles e voltei para cá. Meu marido continuou viajando, mas eu já não podia ir porque os meninos já estavam na escola. Então não dava mais para ficar viajando e tirando os meninos da escola para lá e para cá. Ele ainda trabalhou em Porto Velho e em Fortaleza, aí apareceu a oportunidade para ele ir para Embratel, ele não pensou duas vezes. Pediu demissão da Ericsson e entrou na Embratel, aí ele ficava fixo em Belo Horizonte. Ele ainda viaja, mas bem menos, uma semana, três dias. A família pesa muito, os filhos já começam a crescer, a entrar na adolescência e o pai tem que estar presente. Tem que acompanhar.


Construção da BR
Depois construíram aqui a BR, que era uma rua, não era a BR de hoje, mas para a época era bem movimentada. Tinha acidente aqui direto, no trecho onde cruza com a rua Alípio de Melo até lá embaixo no Engenho Nogueira os acidentes eram constantes. Eram só acidentes feios por causa das curvas e a BR era estreita. Hoje tem a marginal, está tudo aberto e a BR é do outro lado. Quando tinha jogo do Atlético no Mineirão aquilo era uma festa, para a gente era uma alegria ver os carros passarem lá na rua de casa, que era o caminho do Mineirão. Dia de jogo a BR chegava a congestionar até onde hoje é a praça São Vicente de tanto carro.

 

Diversão
Aqui a gente não tinha muita diversão. Além de nos alegrarmos ao vermos os carros passearem para o Mineirão a gente também se divertia com os festivais de paraquedismo no campo de aviação. Tinha campeonato de paraquedas e era muito bonito. Também caía paraquedas fora do campo. Então a nossa diversão era mais nesse sentido. 
Eu nuca fui muito de sair, mamãe era muito severa, não era fácil não. Tinha as horas dançantes, mas mamãe não deixava.  Eu comecei a namorar com vinte anos, aí que não saía mesmo. Eu era mais retraída, sempre fui. Eu comecei a namorar em uma festa, era aniversário de um amigo nosso, nós nos conhecemos e ele perguntou se podia namorar ou não. Eu falei: “vou pensar”. Naquela época a gente tinha esse negócio de vou pensar se pode. Daí nós passamos a namorar. Foi meu primeiro namorado, o único namorado, não conheci outro rapaz.
Aqui tinha muita quadrilha também e eu nunca participava. Eu era reservada. Depois teve uma época que o padre promoveu uns passeios, mas eu não ia, eu não gostava de sair. Não tinha barzinho, show, teatro, essas coisas, mas tinha cinema. Aqui no bairro tinha o Cine Padre Eustáquio, onde é a Fênix hoje. Ele ficava bem cheio, às vezes a gente ia. Depois teve o Cine Asteca, que era em frente à Igreja São Francisco. Mas era difícil a gente ir ao cinema porque a vida era mais apertada. Eu era o braço direito da mamãe na casa, então não sobrava muito tempo para passear não.

 

Jardim Montanhês ontem
Daqui do bairro eu me lembro da horta do senhor Manuel , quando é que a gente ia imaginar que aquela horta tão bonita ia se transformar em asfalto, prédio. Ela era aqui onde é a avenida. Dali para lá até a Alípio de Melo lá em cima era tudo horta. Ela tinha aqueles canteiros enormes e a gente comprava muita verdura. Aqui perto de casa também costumavam montar umas barraquinhas e vendiam verduras. Perto da casa da mamãe tinha uma barraquinha que era da dona Elisa, uma vizinha que morava na Pedro II. No final da Alípio de Melo tinha outra e chamava quitandinha. Mas isso foi bem depois, porque no início era só no Mercado Central e não tinha ônibus, nem bonde, nem nada. Então tinha que pegar o bonde lá em cima lá na rua Padre Eustáquio com Vila Rica. Depois veio o ônibus Padre Eustáquio que ia até a pracinha São Vicente. Muito tempo depois colocaram ônibus no Jardim Montanhês, ele circulava na rua Alípio de Melo, pegava a rua Moema, a rua Padre Eustáquio e ia para o centro. A volta era a mesma coisa. Eu me lembro do motorista Sossego que começou a tralhar depois de um tempo que a linha tinha sido criada. O próprio nome já indicava, ele era um sossego, conhecia todo mundo do bairro. Então ele parava na porta lá de casa e esperava a gente descer. Ele foi motorista padrão de Belo Horizonte, ganhou vários prêmios. Ele já se aposentou há muitos anos.
Aqui tivemos também um vereador, o João Sardinha. Ele foi vereador do nosso bairro durante muitos anos. Foi ele quem trouxe a linha de ônibus para cá. Ele fez também a escola Eliseu Laborne. A prioridade dele foi o bairro, ele trabalhou para o bairro. Ele já faleceu, mas a esposa dele é viva, ela chama Telma Sardinha. O João Sardinha trouxe calçamento para o bairro, a rua Alípio de Melo não era calçada, era terra, aí veio a linha de ônibus para o Montanhês e ele programou o calçamento.
No bairro a única igreja que tinha era a capelinha, que tinha missa aos domingos, quem não queria ir na missa aos domingos ia na Igreja Padre Eustáquio ou no Convento das Carmelitas. Então tinha missa nesses três lugares. A Igreja Padre Eustáquio tinha várias missas no domingo, na capelinha tinha só de manhã e no Convento das Carmelitas tinha missa pela manhã também. Até hoje tem missa na capelinha. Depois de muito tempo é que construíram a igreja do chapéu.
Aqui no Jardim Montanhês na época as coisas eram caras, carne era só uma vez por semana. Não tinha a facilidade que tem hoje, você vai no supermercado e compra, não tinha isso. Era tudo plantado, a verdura você tinha plantado no quintal, salsa, cebolinha, couve, chuchu, abóbora. As frutas também, manga, laranja, banana. A gente comia arroz, feijão, angu, verdura e legume. E a tarde era sempre sopa. Não tinha luz, então seis horas era servido o jantar, normalmente sopa. A luz veio muito tempo depois, eu já estava grande quando colocaram luz nas casas. A nossa casa foi uma das primeiras a ter luz e a primeira a ter televisão. A vizinhança ia lá em casa para ver as novelas. Foi na época da Jovem Guarda e tinha aqueles programas de MPB. Então a gente adorava os festivais da MPB. Os mais velhos gostavam do jornal, e não era a Globo, era a Itacolomi. Jogo passava direto, eu lembro do meu pai e do meu irmão, atleticanos fanáticos esperarem passar o jogo às onze horas da noite, porque não existia transmissão direta.  A televisão era preta e branca, eu comprei na Casas Inglesas Leric, que era como se fosse hoje as Casas Bahia, Ricardo Eletro. Nessa loja eu comprei também uma geladeira e aqui no bairro tinha poucas casas que tinham geladeira, era uma novidade. Antes como não tinha luz, não existia conversação de alimento. Fazia e tinha que comer. Acho que a luz chegou em 1963 ou 1962.  Também não tinha água encanada e era duro carregar água que a gente buscava longe, na mina, onde hoje é o Caiçara. A gente carregava água no balde de lá até em casa e essa água a gente usava para tudo. Quando colocou água da Copasa na casa da minha mãe eu já estava casada, eu me casei em 1975 e nessa época que estava sendo colocada a água.


Causos
O que marcou na minha mente foi que eu tive nefrite com cinco anos de idade e eu estava desenganada pelos médicos, então eu lembro que veio o Congado subindo a rua Alípio de Melo, aí mamãe desceu comigo, ajoelhou, eu toda inchada e ela falou que se eu sarasse ela ia fazer a festa. Eu me lembro que eu sarei e ela fez a festa.  Então lá em casa foi o congado, eu não esqueço disso, pois me marcou. No dia da festa a nossa casa ficou cheia, a família inteira foi.

 
Depoimento cedido em 10/10/2005
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