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Depoimentos

Enviado por marina em 16/08/2012 14:52:05 ( 1396 leituras )

Meu nome é Maria Cândida de Souza, tenho 86 anos e sou viúva. Perdi meu marido há vinte e oito anos. Depois perdi uma filha, que tinha quarenta anos, ela era concursada com quatro empregos. Depois eu perdi meu filho que morreu novinho. Eu também criei uma menina, peguei ela nenenzinha, porque a mãe dela bebia muito. Essa menina, a Cíntia, ela estudou, formou no segundo grau e fez enfermagem , fez computação, fez concurso na prefeitura e não conseguia emprego. Ela foi ficando aborrecida e adoeceu, não teve nada que a curasse. Tem cinco meses que ela se foi, ela era uma santa, ela morreu com vinte e quatro anos, nunca teve namorado. Os moços mandavam flor para ela e ela falava assim: “ô vó pega aí para mim que eu estou bordando o ponto de crochê no pano de prato, eu não vou pegar flor agora não”.  A gente aqui trabalhava com costura, eu paguei esse lote costurando. Eu costurei quinze anos para uma fábrica lá na rua Cambuquira, no Padre Eustáquio.
Eu moro no Jardim Montanhês há cinquenta e nove anos. O menino que eu peguei para criar vai fazer cinquenta anos agora, eu peguei ele aqui embaixo, ele nasceu ali na grota, a mãe dele queria mandar jogar ele na cerca e eu o peguei para criar. Criei ele e agora criei o filho dele que está com doze anos. Outra menina que eu criei foi a Rosemeire, ela estudou no colégio São Pascoal e no Instituto de Educação. Agora ela está fazendo curso para ser diretora de escola. Mas ela trabalhou tanto no computador que está com uma doença no braço. Ela está encostada de tanto bater no computador.
Antes de vir para cá eu morava na Floresta, na rua Artur Lobo, mas meu marido arrumou uma confusão no emprego e eles mandaram ele embora. Aí um compadre falou comigo: “comadre vamos dar um jeito do rapaz comprar um lote porque tem uma dona vendendo um cômodo com uma cisterna furada e um forro de adobe”. Naquele tempo fazia casa de adobe. Aí nós compramos esse lote, compramos esse quarto de adobe e estou aqui até hoje. Eu tinha vinte e três anos quando eu vim para cá. Meu marido trabalhava no posto de gasolina na cidade, aí tinha dia que ele nem podia vir porque era perigoso, ele dormia lá.
Nessa época eu alisava cabelo com ferro quente. Eu ganhava dinheiro com “alisação” de cabelo e fazia costura para aquelas donas.
Eu nunca gostei de festa e eu não saía. Até quando ganhava convite de casamento das amigas, meu marido levava as meninas e eu ficava em casa costurando.
O bairro aqui era muito sossegado, o povo era trabalhador. Quando eu cheguei aqui só tinha mata virgem. Para abrir essa mata, cortar essa madeira, levou muitos anos. Aqui não tinha igreja, a gente assistia missa no Convento das Carmelitas.  Nós trabalhamos muito para a construção da igreja Santa Margarida. A gente ajudava com trabalho. Levava comida de casa pronta, fazíamos o almoço e ainda levava comida pronta. Um doava prato, outro doava colher, garfo. Isso tudo nós fazíamos.  Nós trabalhávamos muito para a igreja, cada um de nós tinha um banco lá que nós compramos.
Aqui também não tinha água, nem luz, a água era de cisterna e a luz de lampião. A gente tirava a água na manivela. A gente cozinha no fogão de lenha, não tinha fogão de gás, eu cozinhava pé de porco, rabada e costela. Aqui não tinha açougue, meu marido trabalhava na cidade e trazia de lá a carne. Leite eu buscava ali na grota, no seu Ferreira. Aqui em casa tinha muita manga, abacate e maracujá, que a gente fazia suco.
Quando eu vim para cá a minha menina mais velha, a Marlene, estava com cinco anos.  Eu construí a minha casa aos poucos. Primeiro eu fiz três cômodos, dois quartos e a cozinha. Fui fazendo aos poucos porque eu não pude fazer tudo de uma vez, agora eu mexi no telhado que estava caindo. O telhado quase caiu em cima de mim.
Quando a gente chegou aqui a única escola que tinha era o Professor Moraes e os meninos todos estudaram lá.  A escola era bem longe e a gente tinha que ir andando levar os meninos. Mas não era perigoso igual agora, porque não tinha tanto carro. Agora está mais perigoso, tem que pegar a Kombi.
Aqui a única coisa que nós tínhamos medo era de cobra. Aqui aparecia muita cobra e tinha também gambá, que vinha na nossa porta para pegar galinha para comer. Eu tinha muita galinha, matava para comer e para dar para os outros. Quando as mulheres ganhavam menino a gente levava galinha para elas comerem. As mulheres de resguardo comiam sopa de galinha para ficarem fortes. Primeiro a gente matava a galinha, depenava, abria, tirava um bocado da gordura e fritava a galinha, depois jogava água, enchia a panela d’água para cozinhar e dar aquele caldo grosso. Depois acrescentava a farinha de milho, no quintal sempre tinha salsinha, cebolinha, apanhava e picava bem picadinho.  Fazia aquela tigela de sopa de galinha e levava para a doente que ganhou o neném.

 
Depoimento cedido em 03/11/2005
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