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Depoimentos

Enviado por marina em 16/08/2012 10:30:00 ( 1801 leituras )

Meu nome é Elza Moreira do Carmo. Nasci em Moeda (MG) no dia 19 de março de 1941. Meu pai é Emílio Ferreira do Carmo e minha mãe é Geralda Moreira da Silva. Moro no Jardim Montanhês desde o início de 1965. Antes de vir para o Jardim Montanhês eu morei no Carlos Prates. Quando eu era solteira eu morava no Nova Granada, depois morei no Carlos Prates, pertinho da BR, aqui na pracinha São Vicente. Depois eu comprei e vim para aqui.
O bairro demorou bastante para mudar, os bairros ao redor cresceram muito e aqui ficou para trás, mas de repente agora deu um crescimento muito grande, principalmente comercial, muita construção de prédios, então evoluiu demais. Antigamente eu via os horizontes aqui do lado, via a BR, via a subestação, via o alto do Caiçara, aquelas paragens todinhas, de repente, quando olhei estava cheio de casas e prédios. Então foi assim uma explosão, desenvolveu bastante mesmo. Depois que veio a subestação da Cemig os lotes começaram a ser vendidos. Aqui atrás era a chácara dos tanques, aí os donos morreram e eles foram fazendo loteamento. Aqui era cheio de fazendas, tinha a da D. Lalá, tinha um pessoal que eu não sei se era tenente, a gente chamava essa dona de Ponina, chácara da D. Ponina. Ela criava porcos, subia e descia com latas de lavagem na cabeça, às vezes de charrete, e os cachorros atrás. Ela era famosa, era como se diz, cabra macha e os homens tinham medo dela. O marido da D. Ponina era tenente reformado e na chácara tinha muita criação e muitos cachorros. Os meninos adoravam ir pegar frutas e galinhas na chácara dela e os cachorros saíam correndo atrás daquela turma toda, era divertido. Aqui só tinha trilho, não tinha nenhuma rua aberta, no Jardim Montanhês só tinha uma rua, a Alípio de Melo, que era calçada, que a gente usava para ir para o centro. Os outros lugares eram tudo mato. O lugar onde eu morava era mato de um lado e de outro. Embaixo do sítio da D. Lalá estavam abrindo ruas e vendendo lotes. Depois formou-se casas e prédios por aí, veio o Chico do churrasco, que ficou famoso. Veio o Bragão, um supermercado, que antes chamava Pague Menos e aí foi crescendo.
Houve uma época que havia muitos paraquedistas aqui, caíam muito nas árvores, nas casas, na BR. Agora deve ter uns dois ou três anos que eu não vejo mais paraquedistas, mas tinha muito.
Aqui no Jardim Montanhês nós tivemos um Padre muito bom, ele até já faleceu, ele ajudou a fazer uma comunidade. Juntou com algumas pessoas aqui do bairro e criaram a igreja e uma escola nova. O nome do Padre é Padre Henrique. Ele fundou a Igreja Santa Margarida do Alacoque que é muito bonita, tem uma cúpula parecendo chapéu de freiras, muito interessante a Igreja. Ele fundou aqui a turma do escotismo que ajudou muito as famílias. Depois veio a criação do posto de saúde que nós temos aqui do lado de baixo. O posto foi construído em um terro doado pelos Alípio de Melo. Agora tem a creche das crianças, ela está crescendo a cada dia, ainda está em construção. Aqui tem também que eu acho interessante é o Colégio das Carmelitas. Lá tem missas aos domingos. Para cá veio o Epa também que é um supermercado muito bom.
Na época em que eu vim para o Jardim Montanhês havia um tal de Cristo que muita gente vinha visita-lo. Traziam os filhos que estavam doentes e pessoas com problemas. Ele era um velhinho muito amado, de grande sabedoria. As pessoas formavam fila de madrugada e ele atendia as pessoas com o maior carinho. Ele era como Cristo, com cabelos longos, aquelas roupas simples, aquela ternura por cada pessoa, que ele sabia que estavam ali contando com ele. Ele era uma pessoa que nasceu com aquele dom. Ele falava, dava algum medicamento, um chazinho, raízes ou outra coisa, orava e benzia. Eu tinha um tremendo respeito por ele. Algum tempo depois, denunciaram ele e ele foi preso. Depois ele voltou porque não tinha como manter uma pessoa de coração na cadeia.  Aí ele continuou mais um tempo até que veio a falecer. Hoje a casa dele é um jardim de infância.
Também ficou na história do bairro o Cintura Fina que foi muito amigo da Hilda Furacão. Ele trabalhava no Bonfim onde ficou conhecendo a Hilda Furacão. Os meninos tinham medo dele. Ele era moreno, forte, tinha o rosto todo retalhado de navalha, brigava muito, derrubava 5, 10 homens de uma vez. Mas era assim uma pessoa bondosa. Ele era homossexual e era criticado pelas pessoas. Eu acho muito triste quando a pessoa é de uma outra forma, diferente do outro e recebe críticas. Eu acho que se deve respeitar o outro e acho que é por isso que o Cintura Fina se tornou agitado. Depois eu fiquei sabendo, não sei se ele morreu ou se mataram ele, mas aqui no Jardim Montanhês ele é super conhecido.
Aqui tinha também a Catarina que morava na rua do posto de saúde, ela era pequenininha e não era muito certa da cabeça não. Na casa dela cozinha com fogão de lenha e ela catava toquinho o dia inteirinho. Ela ficava o dia inteirinho catando pauzinho, falando sozinha, devia ter uns trinta e poucos anos. Os meninos falavam Catarina doida e ela saía correndo atrás deles. Depois ela desligava e começava a falar sozinha.
Aqui no Jardim Montanhês tinha também horta comunitária, era muito boa, depois foi acabando. Eu lembro que aqui para baixo de casa era muito mato e tinha um quartinho, um cômodo de tijolinho muito pobrezinho, com fogãozinho de lenha que morava uma senhora com o marido e três meninos. Quem mandou esse pessoal para cá foi o dono dessas terras, que era dono dos cinemas lá do centro, o Luciano.  Várias dessas terras onde você anda agora tudo era terreno dele. Então ele mandou esse casalzinho morar aqui para tomar conta da mata, mas eles passavam necessidade.  Falaram que essa senhora morreu de tuberculose, tadinha, morreu de necessidade de alimentação, sem condição nenhuma de sobreviver. Depois que ela morreu tiraram o barracãozinho dali e não sei para onde o marido foi com os meninos. Foi muito triste.
Naquela época os meninos iam para o colégio a pé, não havia nenhum perigo. Os rapazes ficavam batendo papo na esquina e quando estava fazendo frio eles esperavam os vizinhos dormirem e pegavam os bambus das cercas para fazer fogueira e ficarem batendo papo até de madrugada. Os rapazes eram criativos nos malabarismo que faziam, depois foi mudando, cada um com um empreguinho melhor, estudando, alguns começando a faculdade.  Aqui ninguém via esse negócio de droga, confusão em bar, nada disso, era ótimo.

 

Trabalho
Eu sempre trabalhei fora.  Trabalhava em casas de lanches, vitaminas no centro. Depois no ano de 1959 eu entrei para o primeiro supermercado da América Latina, chamado Merci Nacional Supermercado e lá eu fiquei uns sete anos. Saí de lá porque ele era nas imediações da rádio Inconfidência, no centro, e o prédio teve que ser desmanchado para dar lugar a rodoviária. Aí o supermercado foi para a Afonso Pena esquina com Gonçalves Dias, aí eu deixei o trabalho. Mas aquele trabalho me marcou, tenho lembranças dos amigos maravilhosos, os patrões eram só portugueses. Depois é que eu me casei, tive o meu menino. Quando ele estava com oito anos de idade eu comecei a trabalhar novamente, aí eu fui trabalhar no comércio do meu cunhado, lá eu fiquei mais de dois anos. Depois fui para um supermercado ao lado e eu fiquei lá uns onze anos. Nesse trabalho eu formei um grupo grande de amizade, meu coração está lá até hoje. Depois eu aluguei uma lojinha e fui começando com pouquinhas coisas e foi crescendo. Fiquei quatro anos com esse mercadinho, o pessoal me prestigiava de todo jeito. Até jornal que ninguém tinha, tinha que atravessar a BR para comprar, eu passei a vender para ficar pertinho. Aí eu punha jornal todos os domingos e as vendas só iam crescendo. Então era gostosinho e mercadinho ficava no bairro São José, na rua Ressureição. Sábado dava uma fila grande para comprar pão Seven Boys, presunto e queijo. Eu acho que o pessoal lá não jantava, só fazia lanche. Vinha gente lá do bairro Alípio de Melo procurar aquele fermento Flasman, até isso eu fazia questão de ter. Tinha muito frios, capelete, ravióli, essa coisa toda. O supermercado que eu trabalhava era pertinho, mas não tinha essas coisas, então eu preocupei em ter. Então era um quadradinho pequenininho, mas tinha de tudo, patê, latarias, cervejinha. Aí começaram a tomar cervejinha lá do lado de fora, porque não tinha espaço. Tinha a bomboniere, freezer, expositor, essas coisas direitinho. Vendia frango abatido, tinha o chester que o pessoal não deixava de pegar para o Natal, tradição. Aos domingos eu abria às 8 horas, o pessoal já estava lá esperando o jornalzinho.  Lá tinha aquela máquina manual de fatiar presunto, queijo, então duas vezes por semana eu recebia queijo Canastra. Interessante é que o lugar era simples e o pessoal comprava de tudo, as pessoas eram simples, mas gastavam o que tinham no bolso. Tenho uma saudade muito grande dessa época, era uma paz na minha vida. Depois a dona pediu a loja e eu construí aqui. Eu tinha um barracão de dois cômodos aqui e deixei as mercadorias nesse barracão, ficou superlotado até eu construir. Eu saí de lá chorando, meu coração estava partido e tenho uma amiga em frente ao mercadinho que eu considero como minha irmã e ela me deu toda a força. Foi sofrido, mas eu tinha que sair do aluguel. Hoje tenho o comércio sem precisar pagar aluguel, então uma coisa na vida compensa outra, nada acontece por acaso.
Aqui eu tirei parte da mercearia, é mais um barzinho, tem cerveja, tira gosto e sinuca. As pessoas frequentam muito aqui, o lugar é simplesinho, mas elas gostam, porque a gente conversa. Eu acho que antes de ver um freguês, eu gosto de ver um amigo, conversar com ele, dar atenção. O importante é o ser humano, eu aprendo, ele aprende, nós estamos crescendo. Um dia chegou uma mocinha, era uma 2ª feira, ela pediu uma cerveja e ficou ali fora na varanda. Ela estava triste porque não tinha passado no vestibular. Ela veio do interior e estava se sentindo muito solitária e parou aqui, ficou sozinha, olhando para o tempo. Eu senti que ela estava solitária e muito triste e cheguei perto dela para conversar. Falei: “você é uma menina tão linda, maravilhosa, eu senti que você está tão triste, tão solitária, não fique assim. Você tem tudo na vida, você é uma filha de Deus perfeita, linda, sorria, não fique triste, não quero ver você triste aqui”. Aí eu comecei a falar com ela e ela sorriu e falou: “puxa você salvou a minha vida, eu estava pensando até em fazer uma loucura, pular na frente de um carro, me sentia uma das piores pessoas, sozinha aqui, perdida. Não passei no vestibular, meu namorado que eu contava com ele não está me visitando”. Eu falei: “não se preocupe, coisas melhores virão, são os degraus da vida, você vai ver, hoje é assim, amanhã uma coisa maravilhosa vai te acontecer, não pense em tristeza, em problema, isso vai passar”. Aí ela ficou o resto da tarde conversando comigo, depois ela foi embora. Depois cinco ou seis meses ela apareceu aqui e falou: “puxa Elza, Deus faz as coisas certinho. Me encaminhou no lugar certíssimo. Aquelas palavras gravaram dentro do meu coração, eu fui para casa com aquela força, aquela fé e deixei que o tempo viesse.  Passado uns dias tudo foi maravilhoso para mim, eu tenho que te agradecer demais, você é uma amigona. Você me fez crescer, eu agora sou diferente, as pequenas coisas não vão me trazer melancolia, tristeza. Agora eu fico aguardando que dias melhores virão e eles realmente chegam.”

 

A vida hoje
Viver no Jardim Montanhês hoje continua sendo muito bom, porque os vizinhos são ótimos. Mas tornou-se ruim por um lado, pois veio essa confusão de assaltos. Mas de qualquer forma é ótimo, porque em todo lugar tem isso. Não adianta você correr, mas o bairro é muito bom para se viver, tem tudo.
A minha vida é muito corrida e eu sempre faço um macarrão, uma salada, arroz, feijão, carne, um tropeiro. No bar a tradição é um tropeirinho, um churrasquinho, faço pizza em fatias também.
O meu marido fica mais em Pitangui, ele é aposentado e tem um ranchinho lá, ele fica uma semana lá, uma semana aqui. O nome dele é Adão Antônio.

 
Depoimento cedido em 02/11/2005
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