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Depoimentos

Enviado por marina em 09/08/2012 15:10:00 ( 5034 leituras )

Meu nome é Marius Fagundes dos Santos, nasci aqui em Belo Horizonte mesmo no dia 30 de dezembro de 1966. Meu pai é Amauri Fagundes dos Santos e minha mãe é Ellza Moreira do Carmo. Meu pai era fotógrafo da revista “O Cruzeiro” e a minha mãe era dona de casa. Eles vieram do interior de Minas para Belo Horizonte, meu pai é de Coronel Fabriciano, Morada Nova, e minha mãe é de Moeda.
Eu passei a minha infância no Jardim Montanhês e fui escoteiro. A atividade de escotismo aqui no bairro era muito boa porque a maioria dos jovens participava. A gente desenvolvia um bom trabalho com as pessoas, ajudava a Igreja, a polícia militar e a outras organizações. A gente fazia também muitas brincadeiras e acampamentos. Foi o Padre Henrique quem começou a desenvolver o escotismo aqui no bairro. Ele trouxe o trabalho da Holanda e começou com os jovens. A organização era como se fosse um policial mirim e quem trabalhou foi o Padre Henrique, o senhor Pedro, que era amigo dele, conhecido como Pedrão e o José Gabriel. Quando eu entrei eu cheguei a ouvir palestra do Padre Henrique. Ele ensinava o modo de sobreviver, à pessoa a ser humana, a ter muita fé e a ser amiga. Ele sempre foi um tipo de pessoa dinâmica, queria o bem do próximo, ajudava as pessoas, fora o que ele fazia na Igreja. No escotismo ele fez a garotada ir para o caminho certo. Infelizmente na década de 1980 o escotismo acabou. O nosso grupo de escoteiros era pobre, vivia de arrecadações, a Igreja também ajudava. A gente convivia com a falta de dinheiro, mas isso nunca atrapalhou, a gente tinha força de vontade que era o melhor de tudo.
Nessa época o Jardim Montanhês era completamente parado, era bom de se viver. Eu brincava de rouba bandeira, queimada e futebol. O que mais tinha aqui era campo de futebol, todo lado que a gente ia tinha um campo e a gente brincava muito com bola. Tinha também as brincadeiras de carnaval, que era aquela turma de baixo que brigava com a turma de cima sem violência, tipo colocar sal na água, esqueci o nome disso, era tipo um lança perfume. A gente ficava o ano inteiro esperando o carnaval chegar e ficava os quatro dias brincando. No final do carnaval a gente via quem estava com olho vermelho e quem ganhava era quem não estava. Depois mais para frente inventaram uma brincadeira muito ruim que era pôr pimenta na água, aí acabou, atrapalhou a brincadeira.
Outra opção de lazer era o clube Esparta que tinha hora dançante, então ia todo mundo para lá. Lá era o ponto de encontro, só que tinha muito confronto nosso com o pessoal do bairro Alto Caiçara, que só tinha filho de ex-combatente da Segunda Guerra Mundial. A gente também disputava com eles no futebol de salão e no voleibol, então a briga passou da rua para o clube.
Eu estudei na escola Elizeu Laborne e Vale e foi uma época muito boa. Me lembro da professora Vânia e da dona Efigênia, que foi a diretora e que até faleceu a pouco tempo, ela era excelente diretora, brava mas excelente. A escola fazia um programa com a Igreja e o escotismo, a feira de ciências. Então a gente inventava e disputava, o bairro ficava movimentadíssimo na época da feira. Hoje eu não tenho mais o mesmo conceito da escola por causa da violência da favela São José, os meninos vão para lá e roubam tudo, então só funciona de manhã.

 

Jardim Montanhês ontem
No Jardim Montanhês todo mundo se conhecia, todo mundo era amigo. Lembro de diversos amigos que não estão mais no bairro, tinha o Roberto que morava aqui embaixo, o pai dele se chamava Toninho e era ferreiro aqui do bairro, o único que tinha. Ele soldava portão, fazia ferradura, soldava eixo de carroça, coisas na época que eram normais. Tinha também o Renato, o tio dele tinha uma banca de revista e a gente ia lá tentar roubar figurinha.
Aqui no bairro a turma que tinha era a seguinte: aqui não tinha muro nem cerca, então o pessoal tinha mania, como tinha muito bambu, fazia a cerca de bambu, e a turma da noite, que era a turma que ficava brincando, gostava de fazer fogueira para passar o tempo. Então quando chegava à noite quando o dono da casa ia dormir, o pessoal fervia na cerca arrancando os bambus para botar na fogueira. Então no outro dia sempre tinha casa com metade da cerca. Às vezes arrancava até o portão e já queimava tudo. Eu também participava dessas fogueiras.
Na minha casa tinha macarronada no domingo e durante a semana era feijão, bife, salada, às vezes tinha cará, sopinha. Na parte de trás da minha casa não tinha nada e muita gente aproveitava o terreno para plantar, minha família plantava feijão e milho. Plantava também couve, alface, cebolinha e a gente vendia. Aparecia até pessoal querendo comprar um pesinho de alface.
Nosso bairro era no entorno de vários campos de futebol e era muito tranquilo. Não tinha muito comércio, tinha a padaria Pom-Pom e outros comércios pequenos como o Pague Menos, que foi o primeiro supermercado do bairro.
Aqui tinha ainda a árvore da montanha que era um ponto. No escotismo, todo dia a gente fazia uma oração, cantava uma música para ela. Ela era uma árvore que se destacava e para mim era uma espécie de amuleto. Todo mundo do bairro tomava conta dela. Depois a gente descobriu que tinha pessoas fazendo descarrego nela, então colocava fogo e ia queimando ela aos poucos até que uma vez deu uma chuva forte e jogou ela no chão. Muita gente daqui ficou triste e chorou, mas até hoje muita gente fala da árvore da montanha.
Existiam também alguns personagens. Tinha o rapaz que puxava um tanto de cachorro com um saco nas costas. Ele se chamava Dijando, era um senhor moreno que saía no mínimo com dez cachorros em volta dele. Ele saía na rua catando lata, guardando garrafa para vender. O pessoal mexia com ele e ele pouco dava atenção. Quando a turma toda pegava no pé dele ele largava o saco e vinha com os cachorros para cima de todo o mundo e todo mundo saía correndo. O pessoal até acostumou com ele, tanto que ele passava e cumprimentava todo o mundo. Tem outro personagem, o Cintura Fina que também era real aqui no bairro. A gente ficava ali em cima jogando bola e quando ele chegava a turma que estava brincando saía correndo porque todo mundo tinha medo porque ele tinha uma cicatriz na cara, andava com gilete na mão e tinha sempre um cachorro do lado dele. Ele implicava, brigava, fumava o tempo todo, então a gente ficava com medo, apesar que eu não tinha medo não, quer dizer, corria no último momento, mas ficava observando ele para ver até onde ele ia pôr medo na turma. Ele tinha umas amigas que moravam onde hoje é a rua Boreal e o campo era na beira da casa delas e a gente não podia ficar na árvore, na sombra que tinha ali, porque quando ele chegava ele tinha que ficar com a turma dele lá. Então uma vez houve um conflito lá. Ele brigou, empurrou o pessoal.
Me lembro também da dona Ponina ela era uma senhora que andava com as botas grandes, um macacão, com a arma na cintura, com a faca do outro lado, mas porque ela era fazendeira e tomava conta da fazenda. Na fazenda tinha cavalo, carneiro, boi, cabrito, diversas criações. Ela era muito brava e às vezes a gente tinha que passar na fazenda dela para ir aos acampamentos e o Padre Henrique tinha que falar com ela e então ela autorizava a passagem. Depois foi passando os anos e a gente foi conquistando a amizade dela. A casa dela está lá até hoje, do mesmo jeitinho.
Aqui na rua em setenta e cinco tinha um centro espírita da dona Célia e ela colocava uma estátua de Buda, vamos dizer, essas imagens que despertam medo então a gente tinha medo de passar por lá. Depois a gente começou a visitar lá e a gente ficou sabendo que lá dentro tinha uma fonte de dinheiro, de oferendas, a gente custou a entrar lá. Os mais velhos falavam: “Não vai lá porque você vai perder o pé”. A gente chegava lá na porta e tinha uma estátua do satanás assim grandona, aquele trem que todo mundo morria de medo, até hoje eu lembro disso. Na hora que a gente viu aquele tanto de dinheiro, aquele tanto de moeda perdemos o medo. Todo dia a gente enchia a mão de dinheiro para comprar picolé, catávamos o dinheiro da fonte na entrada da casa. A gente chupava picolé, chup-chup e fazia aquela festa até acabar o dinheiro. Aí chegou um ponto que a gente estava indo lá e não estava tendo mais dinheiro, porque todo mundo descobriu, não sobrava mais dinheiro.
 
Jardim Montanhês hoje
Hoje o bairro não tem muita opção de lazer. Tem um campo de futebol que é controlado, tem campeonato de futebol, mas eles não deixam ninguém participar. A Igreja fechou muito as portas para a gente aqui, talvez pela violência.
Nesses últimos quinze anos o bairro desenvolveu depressa demais, muito prédio, muita saída de trânsito, porque tem muito bairro cortando o Jardim Montanhês agora. O comércio está muito forte, assim como a violência, que cresceu muito. Agora que o batalhão de polícia desenvolveu um trabalho está ajudando a melhorar um pouco o bairro.
Um dos pontos turísticos do bairro é a Igreja do Chapéu que desperta curiosidade e muita gente gosta de vir aqui, ver a missa. A arquitetura dela é como se fosse um chapéu de noviça, essa arquitetura veio de Brasília. A Igreja tem o salão de reunião e no fundo era onde ficava o nosso grupo de escoteiro que era uma área grande. Hoje fizeram uma creche da prefeitura e tem um espaço onde o pessoal joga vôlei.
No momento o nosso bairro está tendo um pouco mais de desenvolvimento. Com esse assunto das Secretarias do Governo de Minas Gerais virem para cá vamos ver como é que fica. A gente teve até uma entrevista com o pessoal do governo para fazer uma pesquisa sobre como é o comércio aqui, qual é a saída mais fácil, horário de pico. Eu acho que isso vai mudar o bairro para melhor, vai acabar um pouco com a violência que nós temos aqui.


Depoimento cedido em 19/10/2005

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