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Depoimentos

Enviado por marina em 06/08/2012 10:50:00 ( 1533 leituras )

donapalmira_01Sou Palmira Isolina Costa Malta e moro no Jardim Montanhês desde 1952. Eu e meu marido morávamos em Carmópolis (MG) e, mesmo antes de nos casarmos, a gente já tinha vontade de vir para Belo Horizonte. Ele trabalhava como pedreiro e eu trabalhava com serviço de roça. Depois que nos casamos, ele veio para cá sozinho, com intenção de entrar para a Polícia. A gente já tinha uma menina de nove meses e ele não aguentava ficar longe da gente. Com isso, ele resolveu levar a gente para Belo Horizonte também. Viemos e foi bom demais. Passamos 22 anos de casados, mas, para mim, foram 22 anos de namoro, de tanto que nós vivíamos bem.
Nós chegamos em Belo Horizonte e fomos morar atrás do convento, onde ficamos um ano. A gente pagava uma mixaria de aluguel, mas fazia falta. Meu marido tinha uma herança do pai, pegou o dinheiro, comprou um lote em outra parte do Jardim Montanhês e ele mesmo construiu nosso barracão. Ele trabalhava de pedreiro e eu era a servente. Eu colocava minha filhinha debaixo de uma árvore, sentada em cima de uma coberta, e trabalhava o dia inteiro com meu marido. Eu colocava pedra, tijolo, tudo para ele. Era uma correria. Eu ficava ajudando na construção, depois tinha que subir o morro, atravessar a pinguela e ir até minha casa, atrás do convento, para esquentar a janta para meu marido poder ir para o serviço. Hoje alguém tem essa coragem?
No bairro Jardim Montanhês não tinha água. Energia elétrica só havia na rua, nos postes de madeira, e era bem fraquinha. Também não tinha ruas direito, a Avenida Pedro II era um córrego e, para atravessá-lo, era preciso usar uma pinguela. No dia que eu, meu marido e minha filha chegamos aqui com a mudança para a casa nova, não deu nem para chegar na rua, porque não dava para passar por causa da enxurrada que tinha descido do Aeroporto Carlos Prates e arrebentado a rua toda. Era um buraco tão fundo que, se caísse uma pessoa, não saía fácil.
Primeiro, nós fizemos um barracão de quatro cômodos. Na parte da rua, meu marido fez um passeio gramado, onde eu sentava com a meninada para contar histórias. Chegava à tarde, eu acabava de arrumar as coisas, sentava lá fora com a lua clara igual o dia, iluminando mais que a luz dos postes, e ficava contando histórias. Também não dava para dormir, devido aos pernilongos. Eram tantos por causa do córrego que eles quase carregavam a gente. Eu tinha que queimar folhas de eucalipto dentro de casa, fechava tudo e deixava os meninos brincando na grama. Depois de um tempo, abria a casa para sair o cheiro de fumaça e os meninos voltavam.
Depois, em 1972, meu marido resolveu fazer uma casa maior, no lugar do barracão. Quando a construção estava na laje, ele faleceu.

 

O marido
Meu marido era policial. Trabalhava nas ruas do bairro de Lourdes e no Mercado Municipal. Em cada quarteirão, ficavam dois guardas. Ele ia para o trabalho de bonde, que passava onde hoje é a rua Padre Eustáquio.
Eu fui tendo filhos, tive três em seguida, com diferença de um ano e meio para cada, e criei todos eles com meu marido trabalhando à noite como policial e de dia como pedreiro, para ter condições de ter um dinheirinho a mais. Ele trabalhava à noite porque o chefe da polícia era muito amigo dele e deixou ele trabalhar das 18 à meia-noite, para dar tempo de dormir um pouco, embora o trabalho como pedreiro não fosse sempre, era mais um bico. Mas era uma luta, porque à noite, menino adoecia e eu estava sozinha.
Depois as coisas foram melhorando, o bairro foi melhorando... No Jardim Montanhês tinha um candidato a vereador, uma pessoa muito boa, que nunca ganhou a eleição, que dizia: "Farei a justiça do povo!" Ele batalhava, batalhava, e conseguiu colocar um ônibus para circular do bairro ao centro. Para isso, teve que fazer uma ponte no córrego onde hoje é a Avenida Pedro II.
Meu marido faleceu em 1972. Nos casamos muito novos, mas vivemos uma vida muito boa.

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Palmira e seu marido 


Em casa
Eu nunca trabalhei fora. Trabalhei assim, ajudando a construir nosso barracão. Eu falava com meu marido que era bom a mulher trabalhar e trazer dinheiro para casa e ajudar, mas ele me dizia: "Que isso, Palmira! Deixa de ser boba. O que você faz em casa ajuda muito mais que se você trabalhasse, porque, assim, a gente não precisa pagar para fazer os serviços de casa". Ele usava aquelas fardas de brim cáqui e cinza, pesadas. Quando molhava, parecia um couro. De segunda a quinta, era essa roupa. De sexta a domingo, era uma casimira de pano azul com um boné. Depois o irmão dele veio morar conosco e entrou para a Polícia também. Passou a ser dois com fardas. E eu brincava: "Pelo amor de Deus, sujem a roupa alternado porque senão eu não dou conta!"


Aeroporto
Para mim, o que atrapalhou a gente foi esse aeroporto. Antes, tinha tudo perto, como farmácia e açougue. Agora, tem que atravessar a Pedro II. Pior é quando aparece um suspeito por aqui e o helicóptero da polícia quase entra na casa da gente, bate farol e, nos sábados, sempre tem um avião fazendo acrobacias em cima das casas. Nossa Senhora, é uma barulhada danada. Tinha parado um pouco, mas agora tem a escola de aviação e continua o barulho. Mas eu ouvi dizer que vão fazer os prédios do Governo de Minas aí, mas não sei no que vai dar.


Acidentes
No bairro tem muita história triste... Era tanto avião que caía. Isso não é história, é uma realidade. Eu contava o número de acidentes, mas até parei de contar. Um dia, eu estava na cerca de tela do meu barracão, num domingo, e vi o avião saindo da pista e caindo num lote vago no bairro Monsenhor Messias. Perguntei ao Sr. Geraldo se tinha morrido alguém e ele me disse que não, mas depois descobrimos que havia morrido dois pilotos. Uma vizinha minha saiu correndo com uma menina para ver e voltou passando mal.
Passei uma vida aqui, muitos anos, mas é uma vida de bairro pobre, não tem muita coisa para dizer.


Lazer
Quando cheguei no bairro, havia muitos lotes vagos, onde ficavam vários circos. Eu e meu marido levávamos os meninos. Também vinham muitos parques, que ficavam nos lotes vagos da Pedro II. Também passeava muito com os meninos no aeroporto. Lá, eles brincavam na grama. Era o único lugar que eu tinha para levá-los para brincar. Sei que, quando construíram o aeroporto, tiraram muita gente que morava na área. Sempre a gente achava restos de torneira, pedaços de piso de casa. No gramado, a turma corria, jogava bola.
Outras vezes, a gente ia a pé até o parque da Gameleira, para ver rodeios. Eu juntava os meninos vizinhos, pegava um cesto onde colocava pastel que eu fazia, sanduíche, refrigerante, mamadeira, para os pequenos, para não precisar comprar lá. Com tanta coisa de comer, todo o mundo que passava por lá ganhava. Mas era bom demais. Hoje, vamos de carro a todo lugar. Mas naquela época, a gente andava tanto para os meninos passearem.
Depois que meu marido passou a ser guarda civil, ele começou a fiscalizar um cinema. Então, quando ele assistia um pedacinho do filme e via que era bom, à noite ele me levava, geralmente no Cine Metrópole. A gente gostava muito de Mazaropi, não perdia um. Certa vez, fomos assistir ao lançamento de Bem Hur, e durava quatro horas. No meio, meu marido saía e dizia que ia dar uma voltinha e tomar um cafezinho, porque não aguentava mais. Mas era muito bom. Geralmente, a gente assistia a missa no bairro Padre Eustáquio e, de lá, ia ao cinema. Mas isso na época que ele trabalhava só na polícia.
Outra coisa que eu aproveitei muito enquanto meu marido viveu foi ir ao Mineirão. Eu não perdia um jogo. Ele era engraçado demais, quase matava a gente de rir na hora do jogo. Ele era cruzeirense e eu não entendia nada de futebol. No início, eu não queria ir, no início, mas ele insistia. Ele prometia aos meninos de levá-los no estádio, mas, ao sair, dizia que só levaria se eu fosse. Então eu ficava com dó e ia. Até que acabei gostando e não perdia nenhum jogo. Hoje, continuo gostando.


Vizinhança
Quando eu me mudei para o Jardim Montanhês, tinha uma casa do lado da minha. Essa vizinha me ajudou muito quando eu estava construindo. Eu deixava a menina embaixo da árvore, na sombra, e quando ela estava chorando, essa vizinha a levava e ficava com ela para mim. Meus meninos foram todos criados no terreiro dela e, os dela, no meu terreiro. Além dela, só havia mais umas cinco casas próximas. Mas o pessoal era muito unido. Era a mesma coisa que parente. Aqui, até hoje é uma família.


Atualmente no bairro
Hoje, o que tem de lazer aqui é a pracinha que construíram. Dá para fazer caminhada e, de manhã, tem alongamento acompanhado por estagiários do curso de Educação Física.
Eu vou muito à Igreja. Antes eu frequentava a do bairro Padre Eustáquio, mas depois fizeram uma igreja no bairro, a Santa Maria Margarida, que eles chamam de Igreja do Chapéu. Isso facilitou demais. Hoje, sou consórcia da Conferência dos Vicentinos Santa Maria Salomé. Ajudo os pobres fazendo bazar com roupas e donativos. Por causa disso, até construí um quarto grande, no fundo da minha casa, onde eu guardo os donativos, porque dentro de casa não estava cabendo. Com o dinheiro que a gente arrecada, compramos mantimento, óculos, remédios e distribuímos. Já faz 52 anos que eu pertenço à Conferência, foi desde que cheguei aqui. Só que eu fiquei um tempo parada porque tinha os meninos pequenos.


Reflexões
Hoje, quando saio do Jardim Montanhês para passear em outro lugar, eu sinto saudades, porque é um lugar tranquilo, apesar de hoje ser menos do que já foi, mas é uma coisa da gente. A gente sente falta, porque todo o mundo é unido. Eu fico vendo minha filha, por exemplo, que mora em outro bairro, em apartamento, às vezes até morre gente no prédio e ninguém fica sabendo. Agora, aqui qualquer coisa une todo o mundo. A gente participa da alegria, da tristeza... Eu gosto muito daqui.

 

Depoimento cedido em 13/07/2005

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