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Depoimentos

Enviado por marina em 06/08/2012 09:40:00 ( 1412 leituras )

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Sou Maria Francisca do Carmo. Nasci em Bonfim de Paraopeba, no dia 22 de setembro de 1936. Minha mãe era Josefina Maria Barbosa e, meu pai, José Maria Barbosa.

Eu morava com meu pai e minha mãe no bairro Primavera. Vim para o Jardim Montanhês logo que me casei com o Moacir, que trabalhava como sapateiro. Casei-me no dia 26 de maio de 1958, na Igreja Padre Eustáquio e, no dia 27, vim para cá, para esta rua, onde moro há mais de 40 anos.

Quando vim para cá, o bairro ainda não tinha calçamento. Tinha um barracão aqui e outro lá. Tanto que, no dia em que me casei, estava chovendo e o caminhão não pôde trazer minha mudança porque não tinha por onde passar. Fiquei na casa da minha mãe até o dia seguinte, quando um amigo meu deu um jeitinho e trouxe a mudança para cá. As madeiras para se fazer o barracão foram tiradas no lote mesmo. Só saí daqui quando meu menino mais velho morreu, aos 14 anos. Fiquei um ano fora e, depois, voltei para cá.

Naquela época, a Avenida Pedro II era um córrego. Tinha uma pinguela - não era ponte, não; era pinguela - para a gente atravessar. Não tinha luz nem água encanada. A gente buscava a água em um poço do outro lado do bairro. Era lá também que a gente lavava a roupa. Tinha uma bica, onde a gente buscava água e levava para casa. Não tinha gás. Era a época do fogão à lenha. A gente buscava lenha em alguns lugares onde hoje é a Avenida Pedro II. Era preciso carregar o feixe de lenha para cá, para poder cozinhar. Foi difícil, Nossa Senhora! Depois, fizeram o Grupo Escolar e calçaram a rua. O bairro foi melhorando e foi vindo mais gente para cá.
Cheguei aqui pouco antes do Sr. Manoel montar sua famosa horta. Essa horta durou muito tempo. Dois meninos meus iam lá roubar laranja. O Sr. Manoel plantava de tudo e dava verduras aos vizinhos, quando a gente não tinha dinheiro para comprar. Tinha o armazém do Zé Matavaca, o único por aqui, e havia uma padaria chamada "Padaria do Bené".

Até pouco tempo, aqui no bairro, tinha ainda a Casa das Abelhas, onde se comprava mel e própolis. A casa foi fechada, e, hoje, tem um "ferro-velho". Mas ela foi para outro bairro, e quem quiser pode encomendar o mel que eles entregam em casa.
Lembro-me do Cristo, um moço cabeludo que dizia fazer curas. Ele morava na rua Firmino Costa. Muita gente fazia romaria até a casa dele. Dizem que ele fazia cura mesmo. Eu nunca fui lá. Eu ia ao convento das Carmelitas. Havia um frei velhinho que mal conseguia andar, e que costumava dar bênçãos. Quando fui lá, eu estava grávida. Ele sabia se a gente ia ganhar menino ou menina. Se fosse ganhar menina, ele dava um papelzinho cor-de-rosa. Se fosse menino, ele dava um papelzinho azul. Ele me deu um rosa e disse que, quando chegasse em casa, era para eu colocar aquele papel na água e tomar. Ia muita gente lá, para receber bênção dele. Eu ganhei um papelzinho rosa e foi menina mesmo.

 

Família
Eu tive 12 filhos, mas, agora, fiquei só com três. Já estão todos casados. Os outros faleceram. O mais velho faleceu com 14 anos. Tenho 11 netos e três bisnetos. Meu marido era o Moacir, sapateiro. Eram dois sapateiros: ele e um colega. Depois de um tempo, o colega dele foi embora e ficou só o Moacir. Quando eu o conheci, ele já era sapateiro, trabalhava em fábrica de sapato. Depois, começou a trabalhar por conta própria, consertando sapato. Ele fazia sapato e vendia a quem encomendava. Eu cuidava da casa. Era um menino atrás do outro, mas, quando não tinha nada para fazer, eu ia para lá e ficava ajudando-o. Ele trabalhava na sala de visitas; depois, fez um quartinho de tábua ao lado da casa. Mais tarde passou para um cômodo que ele construiu. Ele trabalhou ali até morrer. Era muito conhecido. Quando morreu, todo o mundo reclamou: "Eh, morreu nosso sapateiro. Não vai ter outro sapateiro como o Moacir, que fazia os sapatos para nós."
Meus meninos participaram do Grupo de Escoteiro aqui no Jardim Montanhês. O Ronilson foi quem participou por mais tempo. Teve uma vez em que ele saiu para arrecadar agasalho para dar ao pessoal pobre, na época de enchente. Ele voltou para casa muito emocionado e me disse: "Mãe, encontrei um moço na rua e ele me perguntou o que estava fazendo. Eu disse a ele que a gente era do Grupo de Escoteiro e estava arrecadando roupas para dar às pessoas que tinham sofrido com a enchente e estavam desabrigadas. Mãe, a senhora acredita que ele tirou a camisa do corpo e me deu?" Meu filho chegou aqui numa alegria por causa disso. E falou que eles tinham arrecadado muita coisa. Quando eles iam acampar, eles traziam as coisas aqui para a casa e deixavam no quartinho. A última vez em que ele se encontrou com os amigos dele do Escoteiro foi quando morreu um amigo do grupo, o Ademir. Ele veio e encontrou uma porção de colegas. Na hora em que desceram o caixão na sepultura, ele falou com o pessoal: "Sempre Alerta", que era como eles se cumprimentavam. E todos responderam e cantaram uma música de escoteiro.
Quando ele saía para acampar, eu não ficava muito preocupada. Era muita gente e eles falavam que eu não precisava me preocupar, porque eles estavam todos juntos e iam olhar o Ronilson. Ele estava com uns nove anos. Ele entrou no Lobinho e, depois, passou para o Escoteiro. O seu irmão Sérgio estava mais velho um pouquinho. Até pouco tempo, Ronilson tinha a roupa e o cinto do Escoteiro. Ele tem o maior xodó com as coisas dele do Escoteiro. Tem mais coisas dele guardadas aí, por exemplo: os cartões de quando ele tirou os primeiros lugares. Eu me preocupava mais com eles quando saíam para andar de bicicleta do que quando iam para o escoteiro. Quando eles saíam de bicicleta, eles se juntavam com os colegas e iam para ruas longes. Alguns meninos se deitavam no chão, e os outros pulavam com a bicicleta em cima. Costumavam pular carros também. Uma vez, ele me contou que foi à rua de cima saltar de bicicleta, e tinha uma dona no prédio, com uma panela na mão. Ele ia pular três carros. Ele disse que pulou os carros com a bicicleta, e a dona soltou a panela no chão. Eles eram levados, tanto o Sérgio quanto o Ronilson. Eu falei com ele: "Eh, depois que passa que vocês me contam, né?"


Distrações
Não tinha nada para se fazer no bairro. A única coisa que tinha era a missa na capelinha. Outra diversão era o futebol. Tinha o campo de futebol do Palmeiras, onde todo o mundo ia, aos domingos, assistir ao jogo. Havia muitos times aqui.

Meu marido jogou bola no time Olaria. Ainda tem gente que mora por aqui que jogava nesse time, por exemplo: o Luiz, um colega nosso que ficou viúvo outro dia, e o Gininho, que morava em frente à minha casa. Outros já morreram. O Olaria era um time bom. Ele foi campeão muitas vezes. Quando tinha festival, o campo enchia bem mesmo. Todo mundo ia para o campo, para ver o jogo. Não tinha nada para fazer no dia de domingo. Então, a gente acabava de fazer o almoço e de arrumar a cozinha e ia todo o mundo para o campo, para assistir jogo.
Outra diversão era o campo de aviação, mas a gente não podia entrar. Nessa época, caía avião demais. Nossa Senhora! O que caiu de avião aqui... Virava e mexia, estava caindo avião. Dava medo, porque eles passavam baixinho. Uma vez, um avião caiu perto da casa de um colega do meu marido. O avião tinha saído do campo de aviação e, antes de pegar altura, caiu no barranco. Morreram o piloto e o copiloto. Outra vez, caiu um paraquedista em um telhado. A diversão era essa. Não tinha mais nada; não tinha cinema nem baile.
Tinha seresta, porque os amigos do meu marido se juntavam e faziam seresta à noite, nos fins de semana, de casa em casa. Nessa seresta, costumavam tocar o Feio; Sr. Manoel, que tinha um restaurante; João Soldado, que morava na gruta; e Tonico.
No mês de Maria, tinha barraquinhas na igreja. Depois que começaram a fazer a igreja do Chapéu, as festas passaram para cá. As festas eram feitas pelas pessoas que participavam do coral da igreja e do catecismo. A gente ia lá escutar música e participar das brincadeiras.


Bailes
Tinha uma vizinha minha, a Dona Paulina, que, todo fim de semana, fazia um baile na casa dela. Não tinha cerca entre nossas casas, então, eu colocava os meninos para dormir e ia para lá. Meu marido ia jogar truco e eu ficava lá, no baile. Essa dona também era muito boa, mas já faleceu. O marido dela foi embora para o interior, e só os filhos dela ficaram aqui em Belo Horizonte.
Como já tinha luz nessa época, ela fazia os bailes com som e discos. Ela era muito agradável e conhecia muita gente aqui, então, ia muita gente ao baile. Ela gostava muito de músicas caipiras. Até hoje, sempre que toca uma música, minha menina, que chegou a ir aos bailes lá, fala: "Eh, mãe, e a Dona Paulina, heim?" Hoje, não se toca mais essas músicas antigas; de vez em quando é que aparece uma. Dona Paulina gostava muito do Seriema e do Cascatinha e Inhana. Eu gosto muito de música sertaneja, dessas que ela colocava. Gosto também de música romântica, como Ângela Maria e Nelson Gonçalves.
Eu canto também, mais ou menos. Toda a vida, gostei de cantar, desde solteira. Passei a cantar mais depois que entrei para o Grupo de Terceira Idade Amar é Reviver, daqui do Montanhês. Nós fomos fazer um passeio e, nesse passeio, o pessoal viu que eu cantava. Eles começaram a cantar uma música. O Sr. Paulino estava tocando e, a Eunice, cantando, mas ela não sabia a música toda e parou. Eu estava sentada na frente do ônibus e continuei a cantar a música até o fim. Quando eu desci do ônibus, eles me pediram para cantar a música de novo. Foi aí que comecei a cantar no grupo.


Grupo da Terceira Idade
Quando entrei no grupo, já tinha um ano que estava funcionando e eu não sabia. Um dia, eu e minha colega fomos convidadas. Nós entramos, eu gostei de participar e estou até hoje. Eu acho muito bom, porque é um grupo que reúne as pessoas. A gente faz amizade com pessoas diferentes. Tem passeios, trabalho com fisioterapeutas, estudantes de odontologia, que dão palestras para a gente, assim como os médicos do Posto de Saúde. Isso tudo é bom porque ajuda a gente a entender mais as coisas. Eles ensinam as coisas que a gente não sabia.


Jardim Montanhês atual
Comparando o Jardim Montanhês com o que era antes, está bom. Mas tem muitos bairros que surgiram depois do Jardim Montanhês que estão bem melhores. O Caiçara, por exemplo. A gente catava lenha lá e, hoje, a gente vê que lá está melhor que aqui. Aqui está bom, mas, depois que abriram a Avenida Pedro II, melhorou pouca coisa.

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