O Gigante da Pampulha (Mineirão)

Data 03/01/2013 09:30:00 | Tóopico: Esporte

Monumental não somente nas lembranças dos torcedores, mas também no tamanho. Quando projetado na década de 1950, o Estádio Governador Magalhães Pinto,1 o Mineirão, foi planejado para receber 100 mil pessoas. Inaugurado em 5 de setembro de 1965, a casa do futebol em Minas Gerais teve festa digna de show de fogos de artifício, com apresentação de paraquedistas e partida no estilo clássico Brasil e Argentina. Jogando pela casa, pôde-se ver em campo a reunião dos melhores jogadores dos times do estado, formando a equipe Seleção Mineira para enfrentar o River Plate, da Argentina. As 80 mil pessoas que se encontravam no estádio naquele dia, tiveram a oportunidade de comemorar além da inauguração do espaço, a vitória da equipe mineira pelo placar de um a zero, com o gol feito por Buglê, que atuava no Clube Atlético Mineiro.2
 
A cidade crescia, o futebol ganhava status em todas as classes sociais, o número de torcedores aumentava e até o final da década de 40 existiam apenas os estádios dos principais times da capital. O América tinha como sede o Alameda, localizado na Avenida Francisco Sales. O Estádio Antônio Carlos, do Atlético, na Avenida Olegário Maciel, e na Augusto de Lima, o Estádio Juscelino Kubitschek, do Cruzeiro. No entanto, a estrutura desses espaços era precária e não suportava grandes públicos. O primeiro estádio com maior capacidade, 30 mil torcedores, foi o Independência, construído no Horto, por ocasião da Copa do Mundo de 1950.

Contrariando as expectativas negativas de que o estádio não seria concluído a tempo para o evento, em 25 de junho de 1950 o Independência sediou a partida do Mundial entre Iugoslávia e Suíça.4 E ainda as disputas entre Uruguai 8x0 Bolívia, e Estados Unidos 1x0 Inglaterra. Mas, nos anos 60 quando o Brasil já havia conquistado duas copas do mundo e o contingente de torcedores e pessoas interessadas em futebol aumentou consideravelmente, o Independência se mostrou ultrapassado para jogos de grande público, isso sem contar o desconforto para aqueles que trabalhavam na cobertura dos eventos esportivos.  

Ainda na década de 1950 teve início o movimento pela construção de um estádio maior. Estudantes de engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, dentre eles Gil César Moreira de Abreu, sugeriram a construção do Estádio Universitário, no terreno que a UFMG possuía na Pampulha. Em 1956, “o presidente da Federação Mineira de Futebol, Francisco de Castro Cortês propôs a construção do Estádio Municipal, às margens da atual BR-040 (...). Os recursos seriam obtidos através da venda de cadeiras cativas. Com o apoio do presidente da República, o ex-governador mineiro Juscelino Kubitschek, Cortês chegou a trazer a Belo Horizonte, alguns dos engenheiros que trabalharam na construção do Maracanã.”5

Em meio às propostas, na tentativa de viabilizar a construção do estádio, Jorge Carone Filho - deputado estadual em Minas Gerais de 1959 a 1963, pelo PSD, e prefeito de Belo Horizonte de 1963 a 1965 -, foi incumbido de elaborar um Projeto de Lei. Parte dos recursos para as obras seriam obtidos por meio da venda de bilhetes da Loteria Mineira, de modo que 10% do valor de cada bilhete vendido seria destinado à obra. A Lei 1.947 de 12 de agosto de 1959, assinada pelo governador Bias Fortes, dispunha sobre a criação de uma agência estatal para a gestão do estádio, a AEMG - que mais tarde se tornou a Administração dos Estádios de Minas Gerais (ADEMG).

Com a aprovação da Lei, a Pampulha foi o lugar escolhido para a construção do estádio, mais precisamente o terreno pertencente à UFMG. “O então reitor Pedro Paulo Penido foi favorável à ideia, uma vez que iniciadas as construções do novo campus, o Mineirão serviria como atrativo para povoar a então isolada região. Com a aprovação do ministro da Educação do governo JK, Clóvis Salgado, o comodato entre a UFMG e a AEMG foi assinado em 25 de fevereiro de 1960.”6

O projeto do estádio ficou a cargo dos arquitetos Eduardo Mendes Guimarães e Gaspar Garreto, que visitaram estádios na Alemanha, França, Inglaterra, Estados Unidos da América e Tóquio, em busca de ideias para aquele que seria o estádio mais moderno do país.7

Aproximadamente 5.000 pessoas trabalharam nas obras de construção do Mineirão, que tiveram início em 1963. Em 5 de setembro de 1965 ocorreu sua inauguração. Segundo matéria publicada pelo jornal “Estado de Minas”, a prefeitura teria liberado 30 milhões  de cruzeiros para as obras do estádio. Para cobrir os gastos da construção, antes mesmo que fosse concluído, foram vendidas 3.000 cadeiras cativas pelo valor de “CR$ 500.000,00 à vista, ou CR$ 850.000,00 à prestação”.

No projeto inicial, era previsto que o Mineirão teria capacidade para 100.000 pessoas. Refutando esse prognóstico, em 4 de maio de 1969, o Mineirão abrigou 123.351 torcedores, como lembra o escritor Luís Giffoni: “Eu estava lá dentro no dia em que, pela primeira vez, essa marca foi ultrapassada: 123 351 pagantes. A data: 4 de maio de 1969. Ombro a ombro  na arquibancada, mal havia espaço para a gente respirar. Qualquer corre-corre provocaria graves acidentes. Dividi a atenção entre o campo e a pesada cobertura, olhei para cima e para os lados em busca de trincas nas paredes, acompanhei cada movimento das juntas de concreto. No segundo tempo, por segurança, eu me ajeitei perto da saída. A tragédia, se aconteceu, foi para o Atlético: perdeu por 1 a 0 para o Cruzeiro, que levou para o Barro Preto o pentacampeonato Mineiro.”10  Foi após esse fato que o estádio passou a ser conhecido como o “Gigante da Pampulha”.

Mas aquele não foi o maior público da história do Mineirão. Sua maior plateia foi recebida na segunda partida da decisão do Campeonato Mineiro de 1997. Em 22 de junho daquele ano, Cruzeiro e Villa Nova se enfrentaram diante de uma torcida de 132.834 torcedores, sendo apenas 74.857 pagantes.11  O número a mais era resultado da decisão tomada pela diretoria do Cruzeiro, em liberar a entrada gratuita para mulheres e crianças. Fora do estádio havia, pelo menos, mais 20.000 pessoas que não conseguiram entrar.12 
 
Mineirão, palco para a música

Além das partidas de futebol, a partir da década de 1980 o estádio passou a sediar apresentações musicais. Em 1983, o KISS estava com três shows marcados no Brasil, da turnê de promoção do álbum “Creatures of the Night”. Uma das apresentações foi realizada em 23 de junho no Mineirão, diante de um público de 40.000 pessoas. Mas os gramados do estádio não receberam somente ícones do heavy metal, a banda pop Menudo, criada em fins dos anos de 1977 e que ganhou destaque na década seguinte, levou uma multidão de fãs ao Mineirão em 1985.

Muitos outros artistas internacionais também fizeram do estádio seu palco, mas o vínculo mais forte entre o Mineirão e a música se reflete na banda mineira: Skank. Além da paixão e rixa declarada pelos membros do grupo, que se dividem em torcedores dos clubes Atlético Mineiro e Cruzeiro, em 1997 o Skank fez do Mineirão cenário para a gravação do clipe da música “É uma partida de futebol”. A gravação ocorreu no fim da primeira etapa do Campeonato Mineiro, durante o jogo entre Cruzeiro e Atlético, em 16 de março. Apesar da partida não ser considerada decisiva para a temporada, 40.000 pessoas estavam presentes no estádio naquele dia. O resultado do expressivo sucesso conquistado com a música foi evidenciado no Vídeo Music Brasil daquele ano, em que a canção recebeu três estatuetas, e, no ano de 1998, com a inclusão da música na trilha sonora oficial da Copa do Mundo realizada na França.13

Nos anos 2000, a música se fez presente no Mineirão principalmente por meio dos festivais. Entre 2001 e 2007, foi realizado o Pop Rock Brasil, e de 2005 a 2010, o Axé Brasil. A primeira edição do Pop Rock Brasil, ocorreu em 1983, com a participação de Lulu Santos, Marcelo Nova, Roupa Nova, 14 Bis, Ritchie, Kid Abelha, Barão Vermelho, entre outros artistas em evidência.  O evento voltado à reunião dos artistas de axé teve o Mineirão como sede pela primeira vez em 2005. O evento era realizado desde 1999 no Estádio do Independência, no entanto, com o crescente público foi necessário adotar um espaço maior.  Nos dias 1° e 2 de abril de 2005, o Mineirão recebeu 80 mil pessoas, para os shows de Vira e Mexe, Ricardo Chaves, Banda Eva, Chiclete com Banana, Cheiro de Amor, Ivete Sangalo, Timbalada, Pimenta Nativa, Ara Ketu, Terra Samba, Babado Novo, Asa de Águia, Daniela Mercure e Jammil e Uma Noites. 14

Reformas

Nos anos de 2006 e 2010 o Mineirão sediou jogos das Eliminatórias da Copa do Mundo, para que as disputas fossem realizadas em seu gramado, como exigência da FIFA (Fédération Internationale de Football Association), em 2004 foram instaladas cadeiras numeradas em todos os setores de arquibancadas superiores, para o jogo entre Brasil e Argentina, em 2006, e em junho de 2008, o placar do estádio foi trocado e dois telões de 75 metros quadrados instalados.
Com a escolha do Brasil como Sede da Copa do Mundo de 2014, e a pré-seleção das cidades sede dos jogos, dentre elas Belo Horizonte, o governo de Minas Gerais apresentou em 2 de fevereiro de 2009, o projeto de modernização do Mineirão, de autoria do arquiteto mineiro Gustavo Penna.

Para que as obras de modernização do Mineirão fossem realizadas, todas as atividades realizadas no estádio tiveram que ser suspensas. Marcando o encerramento das atividades, em 6 de junho de 2010 ocorreu a última partida de futebol, entre Atlético 0x1 Ceará. O show de despedida do velho Mineirão foi feito pelo Skank em 19 de junho, a apresentação com entrada livre, foi registrada no DVD Multishow Ao Vivo – Skank no Mineirão (2010).

As primeiras intervenções no estádio ocorreram de 25 de janeiro a junho de 2010, e consistiram na realização de reparos estruturais no Mineirão. Em seguida, de 26 de junho a 20 de dezembro de 2010 foram feitos a demolição de parte da arquibancada inferior e da geral do estádio, e o rebaixamento do campo em 3,4 metros com o objetivo de melhorar a visibilidade de todos os ângulos do estádio. A terceira etapa teve início em 21 de dezembro de 2010, e foi finalizada em dezembro de 2012. Nesse período foram finalizadas as adequações estruturais indicadas pela FIFA.

Com a reforma o Mineirão passou a contar com uma esplanada de 80 mil metros quadrados no entorno do estádio, que tem capacidade para 65 mil pessoas. Sob a esplanada foi criado um extenso estacionamento coberto, para 1.530 veículos. O espaço também abrigará o Museu Brasileiro do Futebol e áreas comerciais. Há ainda o estacionamento descoberto com 1.039 vagas, que somada à área coberta totalizam: 2.569 vagas.

Na área externa do estádio há uma passarela com 15 metros de largura, que liga o Mineirão ao Mineirinho. Mas um dos maiores desafios enfrentados durante as obras de modernização do Mineirão foi a instalação da cobertura do estádio, que capta a luz solar e a transforma em energia elétrica capaz de abastecer 1.500 residências de médio porte. “A cobertura autolimpante de teflon inclui um sistema de captação de água da chuva, que será reutilizada na irrigação do gramado. (...) o modelo ajuda na prevenção de enchentes na região.”15 Os custos da reforma do estádio foram totalizados  em R$695 milhões.16 

Devido ao contrato assinado entre o Cruzeiro e a empresa Minas Arena, responsável pelas obras e gestão do Mineirão, o clube terá direito à participação nos lucros da bilheteria, do estacionamento, dos bares e restaurantes, o time possui, ainda, três camarotes, um bar temático, uma loja na esplanada, e um espaço para instalar seu memorial.

Conflitos

Apesar de o projeto de reforma do estádio enfatizar benefícios estéticos, sustentáveis, econômicos e para o conforto dos torcedores, as obras não foram amplamente recebidas de forma positiva. Os críticos da reforma condenam um dos aspectos mais destacados no projeto, a modernização do estádio. Para a historiadora e torcedora do Clube Atlético Mineiro, Marina Camisasca: “uma ‘reforma’ como a realizada no Mineirão certamente não vai manter as principais características desse imóvel. Somente o lugar permanecerá o mesmo, o estádio será outro, muito diferente do antigo. As futuras gerações não verão o Mineirão balançar, não conhecerão a ‘geral’, espaço onde o público assistia o jogo em pé, e nem mesmo poderão comer o famoso tropeiro. No novo Mineirão caberão apenas 65 mil pessoas, diferente do antigo estádio que já abrigou 132 mil torcedores. (...)Com essa grande obra, que muitos acreditam que trará enormes benefícios, o Patrimônio cultural e histórico de Belo Horizonte está sendo descaracterizado. O Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Pampulha, do qual o Mineirão faz parte, não será mais o mesmo. O uso desse espaço também sofrerá enormes alterações devido ao projeto de se criar no Mineirão um grande complexo de lojas, além da previsão de aumento no preço dos ingressos, que impossibilitará muitos torcedores de frequentar o estádio. Todas essas mudanças no Mineirão provocam em Belo Horizonte, mais uma vez, a perda de parte da memória e das tradições locais. Assim, deixo aqui registrado o meu protesto contra a substituição incessante do velho pelo novo, que estamos tão acostumados a vivenciar na nossa cidade.”17

Dentre as muitas mudanças percebidas no Mineirão, uma que já chamou a atenção dos torcedores foi a extinção da área verde que havia no entorno do estádio, para a construção da esplanada. Antes encoberto por árvores, o pátio externo do estádio tornou-se concreto puro, no qual o sol forte bate e reflete tornando o ambiente mais quente e inviável para o lazer.

Reinauguração

A cerimônia de reinauguração do Mineirão foi realizada em 21 de dezembro de 2012, com a presença da presidente Dilma Rousseff e show da banda Jota Quest na esplanada. No dia do evento foi liberada a visitação ao estádio para 15 mil pessoas, que puderam trocar com antecedência alimentos não perecíveis pela entrada.  Mais 40 mil pessoas tiveram a oportunidade de conferir as mudanças no estádio nos dias 22 e 23 de dezembro. Apesar da cerimônia de inauguração, a primeira partida no Mineirão após as obras só ocorreu em 3 de fevereiro de 2013, com o clássico Cruzeiro e Atlético, pelo Campeonato Mineiro.

No Mineirão renovado não se pode mais sentir o balanço da arquibancada, em contrapartida, outros aspectos tradicionais do espaço permanecem. A fachada do estádio, tombada pelo Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha/MG) e pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte foi preservada, e as iguarias culinárias como o tropeiro e o sanduiche de pernil permanecem como itens oficiais no cardápio do estádio. A concepção do Mineirão enquanto lugar de encontro, da paixão pelo futebol compartilhada entre times e torcidas, não se altera diante da nova face do Gigante da Pampulha.


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1José Magalhães Pinto, nascido em 28 de junho de 1909, em Santo Antônio do Monte, Minas Gerais, foi governador de Minas em 1960 pela UDN. Casado com Berenice Catão de Magalhães Pinto, teve seis filhos, e durante toda sua vida se dedicou ao trabalho na política e em instituições financeiras.
2Revista Veja BH, 19 de dezembro de 2012, p. 36
3Foi somente com a inclusão de Belo Horizonte na rota das partidas da Copa do Mundo de 1950, por investidas do jornalista José Canor Simões Coelho junto a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), em fins da década de 1940, que a construção de um estádio mais bem equipado em Minas foi viabilizada.
4O placar da partida ficou em Iugoslávia 3x0 Suíça. Informação disponível em www.copa.mg.gov.br, consultada em 19 de dezembro de 2012.
5Informação disponível em www.esportes.mg.gov.br, consultado em 20 de dezembro de 2012.
6Informação disponível em www.esportesmg.gov.br, consultado em 19 de dezembro de 2012.
7Informação disponível em www.copa.mg.gov.br, consultado em
8PREFEITO autorizou obras para o ‘Estádio’: 30 milhões. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 1, 07 ago. 1965. In.: PIMENTEL, Thais Velloso Cougo (Org.). Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Museu Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Histórico Abílio Barreto, 2007. p. 104
9PIMENTEL, Thais Velloso Cougo (Org.). Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Museu Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Histórico Abílio Barreto, 2007. p. 104
10GIFFONI, Luís. “Alma de Futebol”. Revista Veja BH, 19 de dezembro de 2012, p. 30.
11Revista Veja BH, 19 de dezembro de 2012, p. 44.
12Revista Veja BH, 19 de dezembro de 2012, p. 44.
13Revista Veja BH, 19 de dezembro de 2012, p. 70.
14Informação disponível em http://www.folia.com.br/portal/novidade/noticias/axe-brasil-extra-muita-historia-para-contar/, consultado em 2 de janeiro de  2013.
15Revista Veja BH, 19 de dezembro de 2012, p. 27
16Informação disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/reinauguracao-do-mineirao-sera-com-show-do-jota-quest, consultada em 20 de dezembro de 2012.

17Informação disponível em http://www.escritoriodehistorias.com.br/modules/news/article.php?storyid=144, consultada em 2 de janeiro de 2013.



 





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