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Pampulha

A região hoje conhecida como Pampulha por vezes tem sua história contada a partir da construção do lago artificial e da edificação de seu complexo arquitetônico. Contudo, o povoamento desse espaço antecede às construções modernistas daqueles que idealizaram e projetaram um dos principais cartões postais de Belo Horizonte.

Conta-se que no lado direito da atual Avenida Antônio Carlos estava localizado o Arraial de Santo Antônio da Pampulha Velha, povoado por escravos, em fins do século XVIII. Na última década do século XIX a região era formada por fazendas, situadas no entorno do Ribeirão Pampulha, responsáveis pelo abastecimento de produtos hortifrutigranjeiros para a cidade escolhida para se tornar a nova capital do estado de Minas Gerais.

Nessas fazendas havia a criação de gado, produção de leite, plantio de milho, batatas, feijão, mandioca e hortaliças. As mais bem equipadas contavam com engenhos de cana-de-açúcar e com moinhos d’água, utilizados na produção de farinha. Dentre os ofícios aos quais a população se dedicava estavam a carpintaria, tecelagem, selaria e fiação. Atividades que favoreciam o contato com municípios próximos, como Contagem e Santa Luzia.

Foi por volta de 1904 que o casal português: Manoel dos Reis e de Ana Moraes dos Reis compraram as terras que deram origem à Fazenda da Pampulha. A religiosidade de Ana Moraes, conhecida como “sadona da Pampulha”, teve forte influência no desenvolvimento de um perfil religioso para a região.  Na década de 1930, Ana e seu esposo foram responsáveis pela construção da Capela de Santo Antônio de Pádua, onde eram celebradas as festas de São João e Santo Antônio. A fazenda da Pampulha serviu de sede para a realização de festas religiosas, assim como ponto de partida de procissões.3

Na década de 1930, Belo Horizonte passava por um período de desenvolvimento, com o estabelecimento da nova região metalúrgica, que tinha como base as indústrias de bens de consumo e siderúrgicas, alinhadas aos lucros da produção cafeeira. Nessa época a Pampulha recebeu os primeiros investimentos públicos, ocasionados pela construção de muros nas casas e pavimentação das primeiras ruas. Apesar dos investimentos a região ainda estava distante do desenvolvimento vivenciado na capital. As dificuldades de deslocamento permaneciam. O acesso a Pampulha ainda se dava por meio de Venda Nova. “Para chegar lá, tinha que passar por uma estrada horrorosa. A gente vinha de ‘jardineira’, passava por Venda Nova. Depois saltávamos e íamos a pé.”4

Mesmo representando uma área sem desenvolvimento expressivo, a Pampulha foi escolhida para abrigar o aguardado Aeroporto de Belo Horizonte, construído para uso militar. Inaugurado em1933, o aeroporto que posteriormente ficou conhecido como Aeroporto da Pampulha, ocupava uma área de 200 mil metros quadrados em uma área pantanosa e passou a receber voos comerciais na segunda metade da década de 1930.5

Concomitante ao estabelecimento do aeroporto, a Pampulha novamente se tornou centro da atenção da administração pública, quando em 1936 o então prefeito Otacílio Negrão de Lima autorizou a construção de uma barragem. Ao represar o Ribeirão da Pampulha e outros córregos, tinha-se como objetivo evitar futuros problemas com abastecimento de água da cidade.

Em 1938 foi inaugurada a barragem da Pampulha, construída a partir do projeto do engenheiro Henrique de Novais e realizada pela construtora Ajax Rabello.  Localizada na margem esquerda da Avenida da Pampulha, que em 1946 passou a ser denominada Avenida Presidente Antônio Carlos, logo a barragem se mostrou insuficiente para abastecer a cidade, o que resultou na elaboração de novos planos para o empreendimento, por parte de Octacílio Negrão de Lima.  “Com a preocupação, já manifestada, de aparelhar para esforços futuros o abastecimento geral iniciei em maio do corrente ano as obras de barragem do rio Pampulha, cujo projeto é de autoria do engenheiro Henrique de Novaes. A barragem, de terra, construída por maciço de 87.621m3, prover-se-à de todos os acessórios indicados para o aproveitamento da água acumulada. Em torno do grande lago, circundado por uma avenida em construção, é fácil prever a edificação de um novo e pitoresco bairro de recreio, destinado a atrair a afluência daqueles que, em dias de folga, queiram entregar-se a entretenimentos, repousando do diuturno labor da cidade. A vasta superfície líquida presta-se aos esportes de natação e remo, assim como o pouso de hidroaviões. Com a proximidade do Campo de Aviação da Pampulha constituirá pois, um ‘aero-porto’ para servir excelentemente a Belo Horizonte.”6

Assim a ideia de construção da represa foi lançada. No entanto, o projeto somente se tornou realidade na década de 1940, quando Juscelino Kubitschek passou a ocupar a prefeitura de Belo Horizonte. Ao assumir o cargo, JK encontrou uma cidade em desenvolvimento constante, movido pela industrialização e intervenções estatais na organização das vias urbanas.  A edificação de novos prédios ou mesmo o investimento em atrações culturais concediam a Belo Horizonte aspectos de uma cidade moderna. Nesse cenário, JK deu continuidade a alguns dos projetos de Octacílio Negrão de Lima, como a remodelagem da Avenida Pampulha, que foi expandida, facilitando o acesso entre a área central da cidade e a barragem. Também foram continuadas as obras da Avenida Presidente Getúlio Vargas, idealizada por Negrão Lima - que contornaria a lagoa da Pampulha. Na década de 1960, a avenida foi renomeada em homenagem ao seu idealizador: Octacílio Negrão de Lima.  

No ano de 1942 foi inaugurada a estação de tratamento de água, voltada ao abastecimento da Pampulha e construída a 20 metros acima do nível da avenida. Com crescimento da Pampulha era preciso investir também no transporte público para a região. Registros iconográficos indicam o ano de 1943 como o do início da construção da linha de bondes que ligava o Centro a Pampulha. No entanto há fontes que apontam o ano 1944 como o da inauguração da linha, enquanto outras anunciam a chegada dos bondes a Pampulha em 1947.8

Ainda no início da década de 1940, a convite de JK, o urbanista Francês Alfred Agache propôs um plano para a reorganização urbana de Belo Horizonte, que sugeria a construção de uma cidade-satélite voltada à população carente na Pampulha. Sugestão que vinha de encontro com as ideias que Juscelino vislumbrava para a orla da lagoa “um bairro aristocrático destinado às camadas de alta renda, com sofisticada infra-estrutura de lazer e turismo.”9

Para encontrar o arquiteto que viria tornar suas idealizações realidade, Kubitschek realizou um concurso, entretanto os inscritos não conseguiram materializar em seus projetos o conceito modernista que o então prefeito intencionava para a região. Diante disso, por sugestão de Gustavo Capanema, JK convidou o arquiteto Oscar Niemeyer para projetar as edificações que comporiam o complexo arquitetônico da Pampulha, composto pela Igreja São Francisco de Assis, a Casa do Baile, o Cassino e o Iate Golfe Clube.

Com obras ainda pendentes, em 16 de março de 1943 foi realizada a inauguração do complexo arquitetônico da Lagoa da Pampulha, na presença de mais de 20 mil pessoas.10  A obra grandiosa idealizada por JK e concretizada por Niemeyer, com intervenções do paisagista Burle Marx, do pintor Cândido Portinari e do escultor Alfredo Ceschiatti,11 foi intensamente divulgada pela imprensa, com destaque para o caráter empreendedor de JK.

Anos mais tarde, a Pampulha ganharia ainda mais prestígio ao ser considerada por Niemeyer, ensaio para a construção da nova capital federal. Como revela suas palavras inscritas nas paredes da Casa do Baile: “Pampulha foi o início de Brasília, os mesmos problemas, a mesma correria, o mesmo entusiasmo. E seu êxito influiu, com certeza, na determinação com que JK construiu a nova capital”.12 Assim, abandonou-se a velha Pampulha, em lugar da nova que passou a simbolizar o espaço de lazer e turismo, que trouxe consigo não somente traços, mas, também os ideais de tempos modernos sempre presentes na trajetória de Belo Horizonte. 
     
 

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1PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo (Org.).; GARCIA, Luiz Henrique coord.; OLIVEIRA, Pablo Luiz de, tradução. Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Um Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Abílio Barreto, 2007. p. 47.
2 RIBEIRO, Raphael Rajão (Coord.). Histórias de bairros [de] Belo Horizonte: Regional Pampulha. Belo Horizonte: Arquivo Público da Cidade, 2011, p. 18 e 19.
3 PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo (Org.); GARCIA, Luiz Henrique coord.; OLIVEIRA, Pablo Luiz de, tradução. Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Um Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Abílio Barreto, 2007. p. 47.
4 PERREIRA, Lígia Maria Leite; FARIA, Maria Auxiliadora de (Org.). Aeroporto da Pampulha: Belo Horizonte nas assas do progresso. Belo Horizonte: INFRAERO, 1997, p. 19. In.:PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo, org.; GARCIA, Luiz Henrique coord.; OLIVEIRA, Pablo Luiz de, tradução. Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Um Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Abílio Barreto, 2007. p. 52.
5 PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo (Org.).; GARCIA, Luiz Henrique (Coord.).; OLIVEIRA, Pablo Luiz de (Tradução.). Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Um Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Abílio Barreto, 2007. p. 52.
6 LIMA, Octacílio Negrão de. ANAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Sessão se Instalação, reuniões extraordinárias de agosto e setembro; reunião ordinária de setembro, outubro e novembro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1936, p. 6. In.: PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo, org.; GARCIA, Luiz Henrique coord.;
OLIVEIRA, Pablo Luiz de, tradução. Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Um Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Abílio Barreto, 2007.
7 RIBEIRO, Raphael Rajão (Coord.). Histórias de bairros [de] Belo Horizonte: Regional Pampulha. Belo Horizonte: Arquivo Público da Cidade, 2011, p. 23.
8 PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo (Org.).; GARCIA, Luiz Henrique (Coord.).; OLIVEIRA, Pablo Luiz de (Tradução.). Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Um Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Abílio Barreto, 2007. p. 59.
9 PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo (Org.).; GARCIA, Luiz Henrique (Coord.).; OLIVEIRA, Pablo Luiz de (Tradução.). Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Um Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Abílio Barreto, 2007. p. 60.
10 PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo (Org.).; GARCIA, Luiz Henrique (Coord.).; OLIVEIRA, Pablo Luiz de (Tradução.). Pampulha Múltipla: uma região da cidade na leitura do Um Museu Histórico Abílio Barreto. Belo Horizonte: Museu Abílio Barreto, 2007. p. 62.
11 Juscelino Prefeito 1940-1945. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte/ Museu Abílio Barreto: Belo Horizonte, 2002. p. 14.
12 Informação disponível em Divirta-se, consultada em 22 de novembro de 2012.

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