Ricardo Raso - Diretor Geral da ADEMG

Data 15/03/2013 12:40:00 | Tóopico: Depoimentos

Meu nome é Ricardo Afonso Raso, nasci em Belo Horizonte, em dezembro de 1960. Sou engenheiro, advogado e analista. Estou Diretor Geral da ADEMG (Administração de Estádios do Estado de Minas Gerais), autarquia pública que administrou o Mineirão, construiu e administra o Mineirinho e construiu também o CEU (Centro Esportivo Universitário) e que sempre foi baseada na Lagoa da Pampulha.  Minha relação com a Pampulha se dá em vários âmbitos. Formei-me em Engenharia Civil na UFMG, onde mais tarde fiz Análise de Sistema e todas as minhas especializações. O meu trote como calouro foi correr a Pampulha toda. Sou fã da Igrejinha da Pampulha e acabei me casando lá, com festa no PIC.

 

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                                                                             Foto: Luísa Gontijo

 Por aproximadamente 25 anos fui morador da Pampulha. Quando iniciaram a construção da trincheira, percebi que a obra duraria muito tempo e o trafego pela barragem começou a demorar. Acabei preferindo me mudar para o Centro e deixei de ser morador da região. Contudo, toda a minha família mora aqui, por isso, além de trabalhar na Pampulha, estou sempre aqui nos finais de semana.

 

Em 1978, comecei a trabalhar como estagiário de engenharia civil na construção do ginásio Mineirinho, na parte de concretagem de cobertura. Passei a ser funcionário da ADEMG em março de 1980. Naquela época, havia no Brasil uma concentração de poder político, por consequência da Ditadura Militar, e quando se falava de obras no país, falava-se de coisas grandiosas, de obras maiores do mundo. O Mineirinho não foi diferente.

 

Tudo começou quando foi construído o Mineirão (Estádio Governador Magalhães Pinto). O futebol vivia de bilheteria e você tinha em São Paulo, o Morumbi e no Rio de Janeiro, o Maracanã, estádios que permitiam enormes bilheterias para seus respectivos estados. No Rio Grande do Sul, que seria a terceira força, já existia o movimento dos clubes, e lá os times tinham os seus próprios estádios. Minas Gerais ficava de fora do eixo, porque não tinha bilheteria o suficiente para competir com um mínimo de igualdade.

 

Aqui em Minas, havia dentro da UFMG, um movimento dos estudantes querendo um estádio universitário. Concomitante a isso, capitaneado pela Associação Mineira dos Cronistas Esportivos, havia na sociedade um movimento reivindicando um estádio como forma dos times mineiros poderem competir com os times dos outros estados. A união desses movimentos resultou na construção de um estádio no terreno da UFMG, que seria também um estádio universitário. Dessa coincidência e dessa conjunção de forças, nasceu o Mineirão. Ele foi construído pelo estado, mas com recursos de loteria esportiva. Os empréstimos que foram retirados à época foram lastreados em cadeiras cativas. O Mineirão tinha cadeiras cativas de aproximadamente 35 anos, ou seja, você comprava uma cadeira para ser usada por 35 anos e esse dinheiro era usado para construir o estádio.

 

O Mineirinho é basicamente a continuação dessa história. Isso porque posteriormente, o estado, para indenizar a UFMG pelo terreno do Mineirão, propôs a construção do CEU e a construção desse centro esportivo previa a construção de um pequeno ginásio poliesportivo. Só que estamos falando de um ambiente de ditadura, de muita concentração de poder, de governantes que eram interventores, que estavam no poder sem a eleição direta da população. O CEU já estava pronto e ainda faltava o ginásio poliesportivo, um escritório de administração e algumas outras instalações. Foi quando, em uma mudança de governo, resolveram construir o maior ginásio da América Latina, com o maior vão livre do mundo, coisas de governos com muita concentração de poder e pouca consulta à comunidade. Entre os políticos existe aquela preocupação de deixar marcas, então o Mineirinho nasceu dessa história, um pequeno complemento para o CEU virou o maior ginásio da América Latina.

 

O início das obras do Mineirinho se deu em 1972. As pessoas não percebem, mas o Mineirinho é maior que o Mineirão em termos de volume de concreto e arrojo de estrutura. Enquanto o Mineirão é aberto e sua altura se equivale a um prédio de 4 andares, o Mineirinho é fechado por cima e se equivale a um prédio de 13 andares. Com isso, houve muita dificuldade financeira para executar a obra. Por três anos ela ficou parada. Começou no ano de 1972, em 1974 ela foi paralisada, e em 1977 ela retomou as atividades. Foi uma obra de 8 anos, mas efetivamente de 5, e o Mineirinho foi inaugurado no dia 1º de março de 1980. A festa de inauguração foi memorável. Uma superfesta que contou com o que tinha de representativo no cenário esportivo do Brasil e do mundo. Se na época o grande campeão de Fórmula 1 era o Emerson Fittipaldi, ele estava na inauguração do Mineirinho.

 

Logo nos primeiros anos, o ginásio começou a receber grandes eventos que antes não cabiam em Belo Horizonte. Foi um período de grande efervescência no Mineirinho. Isso porque não havia tanta segmentação de público como há hoje. Os artistas populares da época vendiam um milhão de discos. Hoje o formato é outro, existe uma segmentação de mídia e público. O Mineirinho é uma prova disso, a maioria dos eventos que acontecem lá hoje a população como um todo não fica sabendo, é selecionado para um público específico. Nas décadas de 1980 e 1990 uma formatura da Escola de Medicina, além de parar toda a cidade, só cabia no Mineirinho. Você só tinha uma escola e formar um médico era um acontecimento da década para a família. Hoje as formaturas, apesar de lotar o espaço, não são divulgadas para toda a cidade. Em outros tipos de evento o mesmo acontece: o dia do motociclista, por exemplo, só os motociclistas ficam sabendo do evento. Hoje está bem segmentado, o público de determinado artista o acompanha por determinada mídia.

 

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                                                                            Foto: Luísa Gontijo

Ao ser inaugurado, o Mineirinho se tornou, oficialmente, o Ginásio Poliesportivo Jornalista Felipe Drummond. Normalmente, as obras grandiosas como esta recebiam o nome de políticos relevantes, de generais e presidentes. Felipe Drummond era um famoso e querido jornalista esportivo. Na época, a ADEMG era administrada por cronistas esportivos e dessa vez a homenagem teve uma maior relação com a obra feita, já que tratávamos de esporte.

 

Muitos eventos marcaram a história do Mineirinho. Muitos recordes de público foram batidos, até mesmo por não conseguirmos controlar o público, que vinha em massa para os eventos. Era uma época em que os artistas arrastavam multidões. Dos nacionais podemos destacar os vários shows de Roberto Carlos, Rita Lee, as apresentações da Tia Dulce, fenômeno da criançada e os diversos shows da Xuxa, por exemplo. Tivemos muitos eventos internacionais também, como Mercedes Sosa, Peter Frampton, etc. E tiveram uns mais marcantes, como foi o do Gonzaguinha, em homenagem ao pai, Luiz Gonzaga. Por praticamente três semanas, Gonzaguinha ficou organizando o show, pois ele não queria que nada desse errado. E apesar das melhorias, o Mineirinho continua sendo um lugar difícil de sonorizar, sua acústica é bem defasada. Quando foi construído, a parte acústica do Mineirinho não foi feita. Não que fosse resolver, aquele projeto de tratamento acústico da época não seria feito hoje. Mas hoje você tem, na realidade, muito mais controle da emissão acústica, até porque os equipamentos melhoraram exponencialmente.

 

Além de apresentações musicais, vários outros eventos marcaram a história do Mineirinho. Sempre passaram por aqui muitos eventos religiosos, até mesmo internacionais. E antigamente as preocupações eram outras, não tínhamos a preocupação que temos hoje, por exemplo, com padres do estilo do Padre Fábio de Melo e do Padre Marcelo Rossi. São celebridades e são tratados como tal. Necessitamos de uma maior preocupação com a segurança e de uma organização extra. Antes, uma missa era apenas uma missa e não um evento de grande porte. A situação ficou mais complexa. E isso vale para o esporte também. Antigamente sediávamos muitos campeonatos de futebol de salão, de vôlei e de basquete. Na época, quem patrocinava os times era o Estado e não as empresas. O patrocínio era mais acessível porque os atletas não ficavam em hotéis 5 estrelas, não vinham de avião e não eram celebridades como são hoje. O evento tinha um apelo sobre o esporte, e não sobre as figuras. Além disso, os eventos em si eram muito mais baratos.

 

Atualmente, o Mineirinho continua sendo um espaço multiuso. Aqui acontece todo tipo de evento. Já tivemos aqui o maior astro da Rede Globo de 2005, o Boi Bandido, o boi mais famoso do mundo, que era personagem da novela América. Tivemos também muitos eventos internacionais que marcaram época. Aconteceu aqui uma competição de motocross, de saltos de moto, que gerou uma imagem diferente. No passado, era muito comemorada a semana da pátria, os militares marchavam e se apresentavam em solenidades. O Mineirinho lotava, vinham estudantes de diversas escolas com bandeirinhas a punho. Tinha apresentação de cachorros da polícia militar e do corpo de bombeiros, era um grande evento. Hoje em dia esse tipo de evento patriota não acontece mais.

 

Em relação a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de 2014, o Mineirinho terá mudanças, obviamente, por estar no entorno de um dos estádios que irá sediar ambos os eventos, o Mineirão. Já foi realizada uma obra que liga o Mineirão ao Mineirinho, porém, as instalações que terão aqui serão de apoio ao evento. Provavelmente, o Mineirinho prestará como estacionamento para receber as instalações da Fifa e irá abrigar staff e patrocinadores. Nós vamos ter o grande teste agora na Copa das Confederações, mas é um teste, a nosso ver, bem simplificado, pelo fato de recebermos aqui seleções de menor expressão. Então estaremos muito mais treinando o aparato do que propriamente correndo o risco. Convenhamos, Taiti e Nigéria não são agremiações que vão ter problemas com terrorismo, por exemplo. Vamos treinar essa parte, mas acredito que não teremos aqui um grande fluxo de turistas. Acredito que não teremos muitos problemas, afinal, nenhum jogo que iremos sediar terá maior proporção que os jogos de Atlético x Cruzeiro ou Brasil x Argentina, que aconteceu aqui duas vezes.

 

O interessante da Copa do Mundo é aproveitar essa oportunidade para resolver outros problemas, principalmente de mobilidade de atendimento ao turismo, por exemplo. As pessoas não percebem que o turismo é um tipo de indústria como qualquer outra, mas um tipo de indústria que não polui, que precisa estar apresentável e que ajuda na autoestima da população. Um posto de trabalho criado no turismo é bem mais barato que um posto industrial, então gera emprego, gera riqueza. E gera um tipo de riqueza que prevê uma educação da população, que prevê outras línguas, que exige saber receber, se aculturar e se apropriar das suas coisas. Umas das críticas maiores que faço aos belo-horizontinos é que quando recebemos visitas aqui, conhecemos tão pouco nossa cidade que levamos nossa visita à Ouro Preto. Tanta coisa para mostrar aqui, mas não conhecemos, não nos aprimoramos da nossa cidade.

 

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                                                         Passarela de ligação Mineirão - Mineirinho / Foto: Luísa Gontijo

A Pampulha é uma exceção que confirma essa regra. Porque se você vai receber parentes seus aqui, provavelmente você vai trazer à Pampulha. Se ele for ficar mais tempo, você provavelmente vai levar ao zoológico, ao Mineirão, à lagoa ou coisas desse tipo. Mas a tendência, se você tem visita, é levar para Ouro Preto, para Congonhas, para Tiradentes, etc. A Pampulha tem um complexo muito completo para o lazer e para o esporte. Na realidade, poucas pessoas percebem isso. No mundo, existem poucos lugares tão vocacionados para o esporte como a Pampulha. Se compararmos com lugares onde tiveram Olimpíadas, por exemplo, a Baía de Sidney, aqui na Pampulha temos o Mineirão, CEU, Mineirinho, Hípica, Lagoa, temos espaço para todos os esportes Olímpicos para receber uma Olimpíada, é uma área vocacionada para isso. Até a maratona de corrida no entorno da Lagoa. Belo Horizonte se acostumou aos eventos esportivos serem nessa região. Quando pensamos em uma Olímpiada lembramos que temos uma lagoa para esportes náuticos, uma hípica, um estádio de futebol, um ginásio poliesportivo, um CEU, uma UFMG com Escola de Educação Física. Temos todas as instalações, não conheço no país instalações desse tipo. Existem, por exemplo, instalações de excelência para o vôlei em Saquarema, mas para uma Olimpíada não. Olha o que se gastou no Rio de Janeiro para se adaptar para um Pan-americano e agora para uma Olimpíada. Em Belo Horizonte, nesse aspecto, já teríamos um terreno vocacionado para isso.

 

Na minha opinião, a Pampulha foi o treinamento e o aprendizado de Niemeyer e sua turma. Aqui eles tiveram um ambiente que os permitiu experimentações, graças à vanguarda de um prefeito, Juscelino Kubitschek. Como morador por muitos anos, acredito que a Pampulha seja o melhor lugar para se morar em Belo Horizonte, quando dependemos de carro. Mas a falta de transporte público não é um defeito só da Pampulha, infelizmente. Mas quando falamos assim: “eu moro na Pampulha, estou perto da UFMG, do Museu de Arte, do Iate, do Pic, do Mineirão”, se não tivermos carro, não chegamos nesses lugares. Para mim, a grande questão da atualidade na Pampulha é o seguinte: Belo Horizonte elegeu essa região para receber seus megaeventos e construiu espaços para isso. Por outro lado, a população que mora na Pampulha se organizou e a partir daí travou-se essa briga do evento com a paz do morador. A Pampulha, para mim, ainda é um paraíso urbano nesse aspecto. É um local silencioso, que você ainda transita com tranquilidade, é um oásis para o morador. Mas, ao mesmo tempo, é um lugar elegido para o lazer de toda a cidade. Então a regulação desse convício é hoje um desafio que precisa ser melhorado.

 

* Depoimento cedido em 04/03/2013






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